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Secretário de Tarcísio deu cargos em empresas públicas a sócio com quem fez negócio de R$ 20 milhões

Governo diz que chefe da Casa Civil está afastado do escritório e que não recebeu valores; advogado Duque Estrada afirma que contratou Arthur Lima para expandir atuação em PPPs, mas precisou adiar planos com a chegada dele ao governo

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Foto do author Gustavo Côrtes
Atualização:

O secretário da Casa Civil na gestão do governador Tarcísio de Freitas, Arthur Lima, deu a seu sócio, Carlos Augusto Duque Estrada, cadeiras nos Conselhos de Administração da Desenvolve SP, agência de fomento à economia do governo paulista, e da Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp). No primeiro conselho, Duque Estrada recebe brutos R$ 11,5 mil mensais. No segundo, outros R$ 14,7 mil por mês, totalizando R$ 26,2 mil. Dois meses após a entrada de Arthur Lima na sociedade, o escritório dos dois fechou um negócio de R$ 20 milhões referente à antecipação de honorários envolvendo um processo de funcionários contra a companhia aérea Varig (veja abaixo).

As nomeações de Duque Estrada, assim como a de todos os conselheiros de companhias saíram da caneta do Lima já que, em janeiro do ano passado, Tarcísio publicou decreto que obriga todos os secretários a submeter suas indicações para conselhos de empresas estatais à Casa Civil, que passou a centralizar as nomeações para esses cargos. Pela regra, a pasta envia os nomes ao Conselho de Defesa dos Capitais do Estado (Codec), também presidido por Lima, que então solicita uma avaliação de conformidade aos comitês de elegibilidade e aconselhamento das empresas. O comando do Codec, contudo, pode ainda realizar uma avaliação posterior àquela feita pelos organismos internos das companhias. Com isso, é Lima quem, na prática, nomeia e avaliza todas as indicações.

Governo de São Paulo diz que Arthur Lima, braço-direito de Tarcísio de Freitas, está afastado do escritório e que não recebeu nenhum valor pela transação Foto: Fernando Nascimento / Governo do Estado de São Paulo

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Segundo a Casa Civil, as indicações para conselhos de administração são feitas estritamente levando em consideração o cumprimento dos requisitos previstos em leis, exigências e vedações previstas no Estatuto Social da empresa estatal, além de terem sua indicação escrutinada pelo Comitê de Elegibilidade. No caso da Desenvolve SP, até o Banco Central possui participação na aprovação do indicado. Segundo a secretaria, o conselheiro cumpriu previamente todos os requisitos previstos na legislação. A secretária também negou que haja qualquer conflito de interesses nas indicações.

Procurada, a Prodesp afirmou, em nota, que Duque Estrada foi nomeado com o aval do comitê de elegibilidade e em cumprimento integral dos requisitos do art. 17 da Lei das Estatais. Já a Desenvolve SP disse que o advogado cumpriu os requisitos legais, que a nomeação não viola o estatuto social da entidade e que a posse foi autorizada pelo Banco Central.

Escritório fechou negócio de R$ 20 milhões após entrada de secretário

Oficialmente, Arthur Lima passou a constar como sócio do escritório de advocacia Duque Estada Advogados Associados em fevereiro do ano passado, um mês após se tornar chefe da Casa Civil de Tarcísio de Freitas. Dois meses depois, o escritório fechou um negócio de R$ 20 milhões com o fundo Lassie 1, criado pela Lass Capital e administrado pelo BTG Pactual. Trata-se da venda dos direitos a receber R$ 80 milhões em honorários advocatícios na ação em que Duque Estrada representou o Sindicato dos Aeroviários contra a antiga companhia aérea Varig, que foi à falência. Na prática, o escritório recebeu R$ 20 milhões do fundo de forma imediata, sem precisar esperar a resolução de qualquer imbróglio jurídico relacionado ao caso. Já o fundo passa a ter direito aos R$ 80 milhões quando as indenizações de funcionários da antiga companhia forem pagas, tendo a chance de auferir lucro com a operação, já que pagou por ela R$ 20 milhões.

Cessão de mandato do escritório, onde consta a sociedade entre Duque Estrada e Arthur Lima, foi registrada no 30º Tabelião de Notas Foto: Reprodução/Cartorio Blasco

Arthur Lima não fazia parte do escritório quando o processo contra a Varig foi iniciado na Justiça, em 2005, mas somente agora, quando o escritório recebeu a quantia. Além dos dois, há um terceiro sócio: Carlos Henrique Dosciatti. Ao Estadão, por telefone, o secretário disse ter auxiliado no caso em 2022, quando ainda não integrava o governo paulista, embora seu nome não conste nos autos.

Posteriormente, por meio de nota, a Casa Civil afirmou que ele “não participou da transação do caso da Varig nem recebeu qualquer valor, uma vez que os honorários advocatícios cedidos” foram os dos serviços prestados pelo advogado Duque Estrada. Disse ainda que, na prática, sua atuação no escritório se iniciou em 2022, mas só foi formalizada no ano seguinte devido à duração de trâmites burocráticos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A Casa Civil também diz que Arthur Lima está afastado do escritório. Esse afastamento, contudo, significa apenas que ele é ausente do dia a dia do escritório, não assina peças e nem peticiona em nome do Duque Estrada Advogados Associados, mas mantém participação societária.

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Ao Estadão, Duque Estrada diz ter convidado o secretário para a sociedade porque queria expandir sua atuação para a área de Parcerias Público Privadas (PPPs), mas teve de adiar o plano com a entrada de Lima no governo.

Parte do pagamento pode acabar sendo feito pelo próprio governo de SP

Para garantir o pagamento ao fundo Lassie 1, caso os créditos da Varig não rendam os R$ 80 milhões acordados, foram oferecidos créditos de outra companhia aérea falida, a Vasp, cujo sindicato de funcionários também é representado por Duque Estrada. Neste caso, porém, o pagamento poderia acabar saindo dos cofre da própria administração paulista, da qual faz parte Arthur Lima. Isso porque, desde 2018, o próprio Duque Estrada e outros credores tentam obrigar na Justiça a Fazenda Pública de São Paulo a arcar com as dívidas trabalhistas de R$ 4 bilhões. A estratégia foi usada após tanto o Tribunal Regional da 2ª Região (TRT-2) quanto o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconhecerem a responsabilidade subsidiária do Estado nos compromissos com os credores, devido à participação acionária que o governo mantinha na empresa. O caso agora está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF).

Questionado, o fundo Lassie 1 disse, por meio de nota, que Lima e Duque Estrada “não têm qualquer ingerência sobre o pagamento dos créditos adquiridos”. Lembrou ainda que esta função cabe à Procuradoria-Geral do Estado, que, em janeiro, se manifestou contrariamente ao pagamento da dívida pelo Estado em recurso extraordinário apresentado ao STF.

Quanto ao negócio realizado com o escritório Duque Estrada, o fundo afirmou que negociação para a compra dos direitos creditórios “foi iniciada no começo de 2022, quando não havia sequer a expectativa de quem seria o novo governador e, muito menos, seus secretários”. Já o BTG Pactual informou que, na condição de administrador do Lassie 1, não tem qualquer ingerência sobre gestão, compra e venda de ativos.

Carlos Augusto Duque Estrada, sócio de Arthur lima e nomeado no Desenvolve SP Foto: Reprodução/Perfil de Duque Estrada no LinkedIn

Desenvolve SP emprestou R$ 1 bilhão a empresas privadas no ano passado

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A Desenvolve SP é o principal canal de que dispõe o governo paulista para fomentar a economia por meio de crédito a taxas subsidiadas. Em 2023, primeiro ano de mandato de Tarcísio, a agência ganhou ainda mais relevância. Emprestou R$ 1 bilhão a municípios e empresas privadas, 36% a mais do que no ano anterior.

Já a Prodesp é a empresa de informática do governo do Estado, criara para desenvolver e implementar, soluções de governo eletrônico, gestão e atendimento ao cidadão. A Prodesp atua tanto no Executivo quanto no Legislativo e no Judiciário, com soluções Internet, serviços de data center, consultoria, assessoria e suporte técnico, elaboração de projeto e instalação de redes e treinamento.

Para José Rogério Cruz e Tucci, professor titular de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USB), a participação societária do secretário, por si só, não fere o Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas levanta questionamentos acerca de um conflito de interesses.

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“A rigor, não há impedimento. O código de ética da OAB não prevê casos como esse, mas é evidente que há um conflito de interesses. Primeiro, por ter colocado o sócio no conselho de empresa pública e, depois, por se associar a um escritório em litígio contra o governo. A última coisa que se extrai disso é coincidência. No caso, me parece haver indícios de tráfico de influência.”

A Casa Civil nega que haja conflito de interesses, já que a pasta não atua junto a procuradores do Estado em suas defesas judiciais, nem detém competência para que o próprio secretário possa representar o Estado perante o Judiciário.

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