Depois da aprovar uma proposta de emenda à Constituição que limita os poderes do ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o Senado pode avançar em outro tema que interfere no funcionamento da Corte. Há três propostas de criação de mandato fixo para os ministros tramitando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
Essas três PECs foram apresentadas pelos senadores Plínio Valério (PSDB-AM), Angelo Coronel (PSD-BA) e Flavio Arns (PSB-PR). Elas estão sendo analisadas de forma separada e ainda não têm relator designado. No entanto, as negociações para colocá-las em pauta foram aquecidas por causa do clima pouco amistoso entre Congresso e Supremo.
Valério, autor da PEC mais antiga em tramitação, disse ao Estadão que em breve a proposta deve ter um relator – a expectativa é de que um nome seja apontado na próxima semana. A senadora Tereza Cristina (PP-MS) foi cotada para a função, mas ainda não se posicionou. O tucano acredita, porém, que a PEC não deve ser votada em 2023.
Na avaliação dele, a reação dos ministros do Supremo durante a sessão desta quinta-feira, 23, “foi a melhor coisa que poderia ter acontecido”. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e o decano, Gilmar Mendes, criticaram a PEC que limita as decisões dos ministros da Corte. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, disse que vai segurar a votação pelo menos até 2024.
“Esta Corte não haverá de se submeter ao tacão autoritário, venha de onde vier, ainda que escamoteado pela pseudo-representação de maiorias eventuais”, disse Gilmar. Para Valério, essas falas “escancararam de vez que eles (os ministros do STF) não respeitam mais nada. Estamos na obrigação moral de sustentar apoio total ao presidente Pacheco”.
No começo de outubro, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) defendeu a discussão do mandato para ministros do Supremo durante uma entrevista. Ele foi rebatido diretamente pelo decano da Corte, que chamou de “comovente” a iniciativa dos parlamentares.
Angelo Coronel, autor de outra das três PECs que estão na CCJ do Senado, diz que tem se articulado para fazer sua proposta andar. Ele nega os conflitos entre Congresso e Supremo. “A harmonia vai reinar. Só não pode nenhum Poder ser subserviente ao outro”, afirmou.
“Considero a CCJ como se fosse um microcosmos do plenário”, disse Arns, proponente de outra PEC sobre o tema, ao Estadão. O senador acredita que a proposta pode ser aprovada nas duas instâncias do Senado, mas não este ano. Ele avalia que o clima de discussão da proposta é “favorável” e permitirá ao STF “estabelecer uma conexão mais dinâmica e sinérgica com os valores e costumes que regem nossa sociedade”.
PECs flexibilizam a vitaliciedade, um dos princípios da magistratura
Já foram protocolados seis projetos no Senado e 41 na Câmara sobre a atuação do STF, mas poucos foram para frente. A etapa da CCJ é fundamental no processo legislativo, pois é o momento em que se analisa a constitucionalidade da PEC. Se passar nessa comissão, a proposta fica pronta para ser analisada no plenário.
Hoje, os ministros do STF têm vitaliciedade: depois que tomam posse, só deixam o Tribunal com a aposentadoria e têm direito a continuar usando o título de ministro até o final da vida. Essa é uma das garantias que a Lei Orgânica da Magistratura dá a todos os magistrados do País.
As PECs que estão no Senado mudam essa regra. Em caso de aprovação do tema, os próximos ministros ficarão por um tempo determinado da Corte. Encerrado o mandato, voltarão para as funções que tinham antes.
Senado e Supremo vivem momento de atrito
Há um incômodo entre os parlamentares pelo que eles interpretam como “invasões” da Corte ao trabalho do Legislativo, em decisões de temas sensíveis para a sociedade, como descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, aborto e demarcação das terras indígenas.
Todos esses temas estiveram na pauta do STF neste ano. No caso do marco temporal, o projeto de lei foi aprovado a toque de caixa e com ampla maioria na Câmara dos Deputados. No Senado, Pacheco prometeu uma apreciação minuciosa, mas, antes da análise, o Supremo declarou a inconstitucionalidade da tese.
A medida esvaziou a discussão no Senado, que havia se colocado à disposição do governo para trabalhar sobre o projeto de lei do marco temporal – que contraria os interesses da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No entanto, a Casa aprovou o projeto de lei uma semana depois. A maior parte do texto foi vetada pelo presidente e a análise dos vetos está na pauta do Congresso Nacional.
O que dizem as três PECs que estão na CCJ?
- PEC nº 16/2019, do senador Plínio Valério (PSDB-AM)
A proposta do senador amazonense fixa um mandato de oito anos para os ministros do Supremo e também estabelece um prazo de 30 dias para o presidente da República indicar uma nova pessoa quando algum dos magistrados se aposentar.
Hoje, não existe nenhuma previsão legal sobre isso. A cadeira da ministra Rosa Weber, última a deixar o Tribunal, está vaga desde o final de setembro. Antes disso, foram quase dois meses entre a aposentadoria de Ricardo Lewandowski e a indicação do seu sucessor, Cristiano Zanin.
- PEC nº 77/2019, do senador Angelo Coronel (PSD-BA)
Essa segunda PEC é mais abrangente. Além do mandato de oito anos, o senador baiano sugere que toda a forma de escolha de ministros dos tribunais superiores seja alterada. De acordo com essa PEC, os parlamentares poderiam escolher e votar para emplacar seus candidatos nas Cortes – e não apenas decidirem se aceitam ou não as indicações do presidente da República.
- PEC nº 51/2023, do senador Flavio Arns (PSB-PR)
A mais recente dessas três PEC é de outubro deste ano. Ela sugere um mandato mais longo, de 15 anos, mas propõe uma quarentena para quem estiver em algumas funções públicas.
De acordo com o texto da proposta, quem foi procurador-geral da República, defensor público federal, ministro de Estado ou diretor de algum órgão da administração pública nos últimos três anos fica impedido de assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.
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