Seqüelas da invasão da PUC continuam

Há 30 anos, operação truculenta de 500 homens marcou regime militar

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Foto do author Fausto Macedo

Iria Visoná tinha 23 anos, fazia biologia na USP. Era do noturno 77. Graziela Eugenia Augusto também tinha 23 anos e fazia jornalismo na Cásper Líbero. Hoje, aos 53 anos, as duas trilham caminhos profissionais distintos - Iria é médica patologista, Graziela é servidora do Judiciário -, mas guardam em comum sinais que a repressão deixou em suas vidas. Marcas que nem a medicina nem o tempo deram jeito. As duas sofreram queimaduras de terceiro grau, que as bombas da polícia provocaram. Iria foi atingida na perna esquerda, do joelho ao pé. O fogo atingiu Graziela no abdome, braço esquerdo e mãos. Há 30 anos, na noite de 22 de setembro de 1977, 500 homens da tropa de choque e agentes do Dops - a polícia política - invadiram o campus da Pontifícia Universidade Católica (PUC) em São Paulo e prenderam 700 estudantes, arrastados a golpes de cassetete e pontapés. Foi a mais truculenta ofensiva policial contra a autonomia da universidade durante todo o regime militar (1964-1985). Soldados indômitos puseram abaixo salas de aula e gabinetes dos professores, coagidos a bordoadas, choques elétricos nas nádegas e impropérios. Destroçaram mobílias, entortaram máquinas de escrever, rasgaram livros, fichários e material didático, arrombaram portas, picharam nas paredes CCC - Comando de Caça aos Comunistas, grupo paramilitar de ultradireita. Explodiram bombas de gás e petardos que fizeram pelo menos 15 vítimas , 5 delas com queimaduras graves, de terceiro grau, como Iria e Graziela. A operação bélica visava a impedir manifestação pela reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE), que havia sido declarada clandestina pelos generais desde que caiu a cúpula da entidade, no congresso de Ibiúna, em 1968. Um decreto do presidente Ernesto Geisel (1975-1979), subscrito pelo ministro Armando Falcão (Justiça), proibia concentração estudantil em qualquer lugar, nos campi inclusive. A universidade assolada chocou o País do MDB, da Arena e do AI-5 e desencadeou uma onda de protestos. Mas ninguém foi punido. O bairro de Perdizes, onde fica a PUC, amanhecera sitiado naquela quinta-feira, dia 22. O deslocamento dos pelotões se deu às 5 horas. Os militares permaneceram de prontidão nas cercanias, até a ordem do ataque, no início da noite. "Foi uma noite de fúria, noite de cão", define o professor e cientista político Paulo Edgar Almeida Resende, que era diretor da Faculdade de Ciências Sociais. COTURNOS Os soldados arrasaram a PUC. A marcha dos coturnos ecoou pelo edifício centenário, que ficou encoberto pela cortina de gás. Por onde passaram, ficou a destruição. Conduziram seus prisioneiros, rotulados de subversivos e agitadores, até um estacionamento em frente, na Rua Monte Alegre, esquina com a Bartira, que hoje abriga um residencial de 13 andares. Espremidos, os estudantes sofreram constrangimentos. Sentados em chão de pedra, passaram por triagem. "A invasão foi premeditada", avalia padre João Edênio Valle, na época vice-reitor comunitário da Pontifícia. "O estacionamento virou campo de concentração." O Dops estava no encalço de reincidentes, alunos que haviam participado de outras manifestações de rua. Já no início da madrugada, em fila indiana, eles foram levados em 15 ônibus da prefeitura para dois endereços da repressão: o grande quartel de paredes amarelas da Avenida Tiradentes, sede do 1º Batalhão de Choque, e o Dops. Quarenta e dois estudantes foram fichados, sob acusação formal de transgressão à Lei de Segurança Nacional. O coronel do Exército Antônio Erasmo Dias, secretário da Segurança Pública, comandou a ocupação. Ele divulgou que na PUC foi recolhido "material de alto teor subversivo". Sua prova: faixas e panfletos que pregavam o ressurgimento da UNE. Mais que chefe da polícia, Erasmo era o sentinela do regime militar. Marcou época como o durão, que combatia com o mesmo rigor a bandidagem e os opositores dos generais. Disciplina e lealdade à Pátria eram seu lema. A escalada dos estudantes culminou com o Dia Nacional de Luta, em maio. Eles pediam "Constituinte soberana e livre" e "abaixo a ditadura". Erasmo não transigia. Uma aglomeração na Sé ou no Largo São Francisco era suficiente para deixá-lo em alerta. Comandava a tropa de terno e gravata, a pistola calibre 9 milímetros presa à cintura e um megafone nas mãos. Os estudantes não se dobravam. A cada blitz policial, se reorganizavam e voltavam com mais alento às ruas. Com destemor enfrentavam bombas e canhões d?água, entoando versos do Hino Nacional e de O Que Será, a canção de Chico Buarque que as rádios tocavam.

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