Sérgio Cabral sonha ser consultor político enquanto espera pela liberdade no STF

Com revogação de duas prisões, ex-governador do Rio só está na cadeia por causa de sentença de Sérgio Moro; Supremo analisa recurso da defesa

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RIO - Com apenas um mandado de prisão a impedir que seja solto, o ex-governador Sérgio Cabral Filho, último preso da Lava Jato no Rio, já sonha com uma vida em liberdade - como consultor político, segundo pessoas que lhe são próximas. Ele espera ganhar dinheiro aconselhando futuros ocupantes de cargos públicos com base no seu currículo de 30 anos de poder.

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Foi deputado estadual, senador e governador, comensal dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, presidente da Assembleia Legislativa fluminense. Os seis anos de cadeia, com condenações que, somadas, já passam de quatro séculos, porém, enterraram essa trajetória e podem espantar a futura clientela.

A troca do palco principal pelos bastidores não se deve só aos problemas judiciais. Cabral sabe que a política fluminense, como conheceu, não existe mais. A começar pelo triunvirato que formou com Jorge Picciani e Paulo Melo, dono da política fluminense desde 1995. Operações da Polícia Federal destruíram o trio, que foi para a cadeia e foi impedido de concorrer a novos mandatos. Picciani, deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa de 2003 a 2010 e de 2015 a 2019, morreu em maio de 2021, de câncer. Melo, também ex-deputado estadual e presidente da Alerj de 2011 a 2015, foi libertado, mas está fora da vida pública. Depois, veio fenômeno do bolsonarismo, que triturou as máquinas políticas em todo o País, inclusive no Rio.

Sérgio Cabral chega a sede da Justiça Federal, no Rio, em 2019, para ser interrogado; ex-governador está preso desde 2016 Foto: Fábio Motta/Estadão - 26/3/19

Símbolo dessa derrocada, Marco Antônio Cabral, filho de ex-governador, depois de se eleger deputado federal em 2014 com 119.584 votos, não conseguiu se reeleger em 2018, quando obteve menos de 20 mil votos. Em 2022 tentou novamente e fracassou mais uma vez, com 23.806 votos. Outros pretensos herdeiros políticos do grupo, como Leonardo Picciani, filho do ex-presidente da Alerj, também fracassaram.

Cabral entendeu o recado e se desfiliou do MDB. Sabe que seu tempo de político poderoso e de governo-ostentação acabou. Na época, viajava seguidamente ao exterior, sobretudo a Paris, e ia trabalhar de helicóptero. Seguia de carro do Leblon à Lagoa, onde embarcava no aparelho para voar até o Palácio Guanabara. Atualmente, no presídio, dedica-se a exercícios físicos e à leitura, enquanto espera a revogação da sua última prisão. Mantém-se atento ao noticiário sobre as disputas de poder, algo de que participa desde o início dos anos 80, quando integrava o ainda ilegal Partido Comunista Brasileiro, no Colégio Mallet Soares, e militava no movimento estudantil.

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No auge da carreira que agora tenta monetizar como consultor, em 2010, Cabral foi reeleito governador do Rio com 66% dos votos válidos (5,2 milhões). Preso em 17 de novembro de 2016, acusado de liderar um esquema de corrupção no governo do Rio e condenado em 24 processos, acumula pena de 436 anos e nove meses de prisão. Desde o último dia 10, no entanto, ele só permanece na cadeia por uma decisão que é questionada e pode ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Prisões

Envolvido em dezenas de denúncias de corrupção, o ex-governador foi preso em seu apartamento, no Leblon, na Operação Calicute. Foi a primeira das 55 operações promovidas pela versão carioca da Lava Jato. Mais de 550 pessoas foram denunciadas e mais de 300 chegaram a ser presas, mas hoje só Cabral permanece atrás das grades. No dia 10, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio revogou duas ordens de prisão contra o ex-governador. Autorizou-o a cumprir prisão domiciliar se não houvesse alguma outra ordem de prisão em vigor contra ele.

No dia seguinte, o oficial de Justiça Antônio Carlos Gonçalves fez uma pesquisa no Banco Nacional de Mandados de Prisão e não encontrou outras ordens relativas a Cabral. Então foi ao Batalhão Especial Prisional, em Niterói, para soltá-lo. Mas era só um defeito no sistema. Uma ordem de prisão expedida pela Justiça Federal contra o ex-governador continua em vigor, embora questionada no STF.

Em junho de 2017 o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, condenou Cabral a 14 anos e dois meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Foi a primeira condenação do ex-governador na Lava Jato, por ter recebido propina de uma construtora em troca do contrato com o governo estadual para terraplanagem do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj). Essa decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região em 30 de maio de 2018.

Na época, o STF entendia que bastava uma condenação em segunda instância (como é o caso do TRF) para que pessoas fossem presas, mesmo que continuassem recorrendo. Em 7 de novembro de 2019, no entanto, o STF mudou o entendimento – desde então, só o fim da ação justifica a prisão da pessoa condenada. Apesar da mudança, Cabral não foi libertado porque havia outras ordens de prisão pendentes.

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Marco Antonio Cabral perdeu duas eleições. Foto: André Dusek/Estadão - 14/12/2017

No processo de Moro, a defesa de Cabral recorreu à Segunda Turma do STF pedindo a anulação da condenação, sob a alegação de que o juízo de Curitiba não era competente para julgar o caso. É a mesma justificativa que levou à anulação de processos contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O ministro Edson Fachin, relator do recurso, votou para que Cabral permaneça preso. O ministro Ricardo Lewandowski divergiu e votou pela libertação do ex-governador. No dia 14, o ministro André Mendonça pediu vista do processo, e desde então o julgamento está suspenso. Não há prazo para que Mendonça decida e o processo volte a tramitar.

“Minha expectativa é de que reparem o erro quanto à competência e anulem o processo, seguindo os precedentes do próprio STF, e que revoguem a prisão, que, além de desnecessária, já perdura por seis anos, o que configura um flagrante excesso”, afirmou ao Estadão a advogada Patrícia Proetti, que integra a equipe de defesa de Cabral.

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