Há décadas o Brasil negligencia o problema da criminalidade e da violência associada. Governos se sucedem, ignorando o domínio do crime sobre os espaços urbanos e a infiltração do tráfico de drogas nos poderes constituídos.
Fomos afundando, gradativamente, confinando as pessoas em suas próprias casas, cercadas de grades e sistemas de segurança, normalizando assaltos e assassinatos, e deixando a população amplamente alarmada, a ponto de esquecer qualquer resquício de direitos humanos, diante do instinto de autoproteção.
É um medo coletivo, que deu aos policiais o status de justiceiros, vistos como heróis necessários para enfrentar o mal a qualquer custo. A violência policial foi, assim, naturalizada e até celebrada em alguns setores, enquanto seus excessos eram varridos para debaixo do tapete. Quando flagrantes dessas ações vêm à tona, a reação inicial é de escândalo, mas a discussão rapidamente retorna ao ciclo vicioso de apontar culpados, sem propor soluções efetivas.
Ao analisarmos cerca de 60 mil publicações feitas no X, antes e depois da divulgação do episódio envolvendo um policial que arremessou uma pessoa de uma ponte, em São Paulo, observamos que a reprovação às ações violentas por parte dos policiais subiu de 61,2% para 69,1%.
Mas a aprovação à abordagem agressiva, e muitas vezes letal, também aumentou, passando de 15,4% para 21,2%. É um público que acredita que os fins justificam os meios e que não entende que a vida de qualquer pessoa deve sempre ser valorizada, se quisermos viver em um País minimamente civilizado.
Essa dualidade é um retrato da complexidade de um tema que não permite soluções simplistas, diante de um círculo de horrores que se repete indefinidamente, onde inocentes muitas vezes morrem em nome de uma caçada inútil, que executa primeiro e pergunta depois.
E essa caçada é sempre aprovada, mesmo que pela omissão. O Brasil gosta desse estado policialesco. Portanto, o que faz com que as pessoas reprovem atos extremos é a morte de inocentes ou ações violentas contra eles, e não a excessos contra bandidos.
Tanto que a violência virou entretenimento, servindo de meio de promoção para figuras caricatas de humor suspeito, que rebolam em programas de televisão, fazendo chacota da miséria diária de um País que perdeu o controle para o crime.
No centro desse dilema, a postura do governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, merece atenção. Ele tem buscado respostas firmes contra a criminalidade, esperadas pela população, enquanto é acusado de encampar a violência institucional, diante de tantos casos que eclodem durante a sua gestão. Isso o leva a ter que repensar o modo de ação do aparato policial paulista.
É preciso reconhecer que o desafio do governador, e de toda sociedade, é, acima de tudo, sistêmico. A violência policial não se resolve com medidas isoladas, mas exige uma abordagem abrangente, que inclua desde a reestruturação das práticas policiais até a promoção de justiça social e redução das desigualdades que alimentam a criminalidade, em todo o Brasil, e não apenas em um estado, uma vez que o problema não é exclusivo de São Paulo.
Somente quando a sociedade, governos e instituições se comprometerem genuinamente com soluções integradas e coletivas será possível quebrar esse ciclo de violência e insegurança. Reconhecer que o problema é de todos nós é o primeiro passo para um caminho que valorize a vida, promova a justiça e construa uma convivência verdadeiramente pacífica e civilizada. Sem esse entendimento, continuaremos presos em uma espiral de medo e indiferença, incapazes de encontrar a saída.
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