É muito difícil para o cidadão comum entender exatamente o que fazem as Forças Armadas brasileiras. Nas redes sociais, as funções do Exército, da Marinha e da Aeronáutica são motivos de ironias constantes. Grande parte dos internautas faz piadas, dizendo que a principal função dessas instituições é “pintar meio-fio”.
Ao senso comum sarcástico, juntaram-se novas narrativas, oriundas da politização pela qual passaram as Forças Armadas nos últimos anos. Esse envolvimento tão próximo de militares com o poder, a ponto de alguns quererem perpetuá-lo de forma não democrática, fez a palavra “golpista” entrar no rol de adjetivos que circulam nas redes sociais.
Por outro lado, parte da população que ficou frustrada com o fracasso do suposto golpe tupiniquim classifica os militares como “covardes”.
Dessa forma, permanece muito nebulosa a imagem de uma instituição que consome a quinta maior fatia do orçamento da Esplanada dos Ministérios, superando áreas como Transporte, Fazenda, Justiça e Cidades. O dinheiro que o Estado prevê gastar com as Forças Armadas, em 2025, corresponde a 66,6% do orçamento da Educação.
O mais alarmante é que, do total de recursos despendidos este ano, 78% foram destinados ao pagamento de militares da ativa, da reserva e de pensionistas, o que limita enormemente a capacidade de investimentos de uma estrutura que hoje se assemelha a um tanque pesado e enferrujado, vazando óleo por todos os lados. Em 2024, apenas 7% do orçamento militar brasileiro foi destinado a investimentos.
Ou falta aos militares explicarem melhor à população o que fazem ou, de fato, está na hora de uma grande reforma, para que o País compreenda a real importância de um sistema que consome tantos recursos.
O que fizeram no verão passado, ou melhor, no inverno da ditadura, a história já narra, apesar da anistia ter jogado muita coisa para debaixo do tapete.
O que alguns estrelados tentaram fazer recentemente, alegadamente buscando burlar os resultados das urnas, também já começa a ficar bastante claro.
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A incógnita é o que será feito no futuro. Algo que o Brasil tem a obrigação de debater.
Ironias dos internautas sobre o trabalho dos militares à parte, a legislação brasileira atribui às Forças Armadas a proteção das fronteiras terrestres, das águas territoriais e dos recursos marítimos, a proteção de portos e ilhas e vias navegáveis, bem como a defesa do espaço aéreo. O combate ao tráfico de drogas é também uma atribuição dos militares.
Não é pouca coisa, mas tais funções parecem requerer mais empenho e estrutura, sobretudo no controle fronteiriço para evitar a entrada e saída de drogas, que é hoje um dos principais problemas do País.
Algo que exige uma concentração plena e que não merece distrações focadas em ambições individualistas de poder político-partidário. Quando isso acontece, as reflexões sobre a verdadeira necessidade militar pautam a sociedade e fazem sobrar críticas.
Tais queixas devem ser ouvidas com atenção, pois criam uma chance para que essas corporações expurguem uma minoria espúria, que, inclusive, chegou a demonizar e atacar Generais que não se escusaram de defender a Constituição Federal. Gente que se iludiu e inebriou pelo poder, mas que encontrou resistência de verdadeiros patriotas, que merecem ser exaltados.
A ranhura causada revela que uma reforma ampla nas Forças Armadas não é apenas uma necessidade administrativa ou orçamentária — é uma questão de fortalecer a democracia e garantir que essas instituições cumpram seu papel constitucional com excelência.
Essa reestruturação deve contemplar maior transparência, maior eficiência no uso de recursos, foco em suas atribuições constitucionais e o fim de privilégios inaceitáveis no Brasil de hoje. Somente assim o País poderá ter Forças Armadas modernas, respeitadas e plenamente integradas a uma sociedade que exige respostas concretas para os desafios de segurança e soberania no século XXI e que preza, sobretudo, pela liberdade democrática.
As Forças Armadas são, sim, importantes e necessárias, com muita gente de valor e dedicada de corpo e alma ao Brasil, mas, se não cortarem na carne, afastando dos seus quadros quem depõe contra a própria farda, seguirão sangrando junto à opinião pública.
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