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Opinião|Precisamos falar sobre a idade do autor do atentado a Trump e a saúde mental dos jovens

Fato de jovem de 20 anos planejar e executar algo tão bárbaro é um alerta extremo e exige reflexão sobre que tipo de futuro estamos construindo

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Foto do author Sergio Denicoli

Todo tipo de aproveitamento político tem sido feito a partir do atentado a Donald Trump. São movimentações que afetam a bolsa de apostas sobre quem irá ganhar as eleições, influenciam os mercados e pautam a campanha de Republicanos e Democratas. Mas a verdade é que o episódio é mais um exemplo de que um tema profundamente importante quase sempre é jogado para debaixo do tapete: a saúde mental dos jovens.

O fato de Thomas Crooks, de 20 anos, planejar e executar algo tão bárbaro é um alerta extremo, que requer uma reflexão sobre que tipo de futuro estamos construindo. O que o teria motivado a cometer tal atrocidade é ainda um mistério, mas o caso desnuda uma crise de valores, onde matar, roubar, mentir, caluniar são, por vezes, relativizados. E quanto as referências mais básicas da convivência entre as pessoas não se consolidam como pilares de um ser humano é um sinal forte de que a sociedade está doente.

Thomas Crooks, que atirou em Donald Trump e foi morto pelo Serviço Secreto tinha 20 anos Foto: The Bethel Park School District via AP

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Há ainda que se considerar o contexto cultural. Crooks frequentava um clube de tiro junto com o pai, que, inclusive, seria o dono da arma usada no crime. Nos EUA, a Segunda Emenda Constitucional estabelece “o direito do povo de manter e portar armas”.

Não seria esse, portanto, o fator motivador do crime, pois trata-se de um caso exacerbado de falta de empatia e banalização da vida. Mas, obviamente, esse jovem não tinha condições psicológicas de lidar com armas, no entanto teve acesso a elas. O problema é que, sendo a saúde mental ainda um tabu, não se aborda a questão com a profundidade que ela requer.

A psicóloga Marcela Pavan identifica uma questão geracional que pode estar deixando a vida deturpada para os jovens. Segundo ela, na era analógica, os conceitos do que era certo ou errado, socialmente, estavam mais claros, diante do menor número de atores que pautavam a sociedade. Havia menos nuances a ser consideradas e uma ideia consolidada que uma vida correta garantiria um futuro digno. Um cenário que vem mudando muito.

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Hoje as referências são difusas. Devido à gigantesca fragmentação das fontes de informação e da falta de controle sobre a zona de sombra a respeito do que circula nos ambientes virtuais, os jovens, digitais, vivenciam a experiência social mediada por um aparelho eletrônico, que dispara mensagens todo o tempo, gerando ansiedade, crises, depressão e a carência. E resultando em consequências que podem criar uma gravíssima patologia e inadequação à vida social.

As pessoas estão aceleradas em sua existência, tendo que processar uma imensa quantidade de informações. Algo que já é difícil para um adulto e que se torna um obstáculo para a formação mental dos jovens.

Quem tem filhos adolescentes ou jovens adultos certamente está vivenciando experiências difíceis para dialogar com uma geração que navega, e se transpõe para as redes, por mares desconhecidos. Há, muitas vezes, um abismo de interpretações do que é o mundo, dificultando a comunicação e permitindo que os jovens sejam cooptados por movimentos identitários que podem não ser saudáveis, e que, na pior das hipóteses, são extremistas e fortemente aliciantes.

Nas redes, há uma corrente que tem exaltado Thomas Crooks como um herói. O ato dele expõe um lado sombrio para o senso comum. Mas essa sombra é realidade entre muitos que navegam no submundo online. A questão fulcral é que esse submundo por vezes não está apenas na deepweeb, mas também em redes sociais abertas, sem que ninguém tome providências, como se o problema não existisse.

Malena Contrera, analista jungiana e presidente do Instituto do Imaginário, percebe nos jovens uma angústia, por conta do futuro, que eles veem como pouco promissor, pois estariam herdando um mundo em ruínas. Ela ainda ressalta alguns pontos negativos no consumo da comunicação por essas pessoas, pois há entre elas uma diluição da fronteira entre o virtual e o concreto.

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E, segundo afirma, as experiências nesse ambiente digital acabam sendo hipnóticas, até mesmo pelo estímulo que possuem na liberação de dopamina, que é um neurotransmissor que desempenha papel fundamental no sistema nervoso central do corpo humano, causando uma sensação de prazer e recompensa.

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As redes sociais oferecem prazeres momentâneos, como uma curtida em um post, um comentário, ou um vídeo curto e despretensioso que libera dopamina, podendo gerar um ciclo vicioso. Com o tempo, as pessoas podem desenvolver uma tolerância, necessitando de estímulos cada vez maiores para ter a sensação de bem-estar, o que gera frustração e tristeza.

Contrera alerta que os pais e o sistema educacional têm um papel importante para que crianças e jovens se tornem adultos saudáveis mentalmente. Ela sugere que as crianças entrem em contato com a internet o mais tarde possível e que sejam estimuladas a desenvolver competências emocionais, como a conexão ambiental, convivendo com a natureza e com os animais, e a empatia. E devem ter responsabilidades no ambiente doméstico, em tarefas simples que as incluam no cuidado com a casa e a família, e as ajudem a desenvolver a autonomia e o espírito de coletividade.

O caso de Thomas Crooks é um alerta extremo para a necessidade urgente de abordar a saúde mental com a seriedade e profundidade que o tema exige. É essencial compreender como a cultura contemporânea, que tem seu centro no ambiente digital, está impactando as mentes dos jovens.

Opinião por Sergio Denicoli

Autor do livro TV digital: sistemas, conceitos e tecnologias, Sergio Denicoli é pós-doutor pela Universidade do Minho e pela Universidade Federal Fluminense. Foi repórter da Rádio CBN Vitória, da TV Gazeta (Globo-ES), e colunista do jornal A Gazeta. Atualmente, é CEO da AP Exata e cientista de dados.

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