RIO – A família Calheiros governa Murici (AL) desde 1996, com integrantes filiados ao MDB (ex-PMDB). A cidade passou pelo comando de pai, irmão, filho e sobrinho do senador Renan Calheiros (MDB). Neste ano, um sexto Calheiros tentará chegar ao poder e comandar o Executivo: Remi Filho, filho de Remi Calheiros, que foi prefeito entre 1996 e 2004. Uma tradição criada pelo patriarca dos Calheiros, o major Olavo, em 1983 – ano em que o clã assumiu a prefeitura pela primeira vez. Berço do senador, a cidade de 28 mil moradores mantém a “tradição” de eleger um prefeito do MDB há quase três décadas.
Há 28 anos ininterruptos, os Calheiros comandam a prefeitura da cidade do interior de Alagoas. O domínio político do MDB e do clã começou a ser construído em 1979, quando Renan Calheiros chegou à Assembleia Legislativa de Alagoas – o início da trajetória política do ex-presidente do Senado Federal. Três anos depois, Renan se empenharia pessoalmente na eleição do pai, Olavo Novais Calheiros, o “major Olavo”, para o comando de Murici.
Murici é uma das 28 cidades mapeadas pelo Estadão em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atas de Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados, Diários Oficiais de Justiça e no acervo do jornal,que são governadas pelos mesmos partidos há pelo menos 24 anos. São seis eleições consecutivas de vitórias nas urnas das mesmas legendas, apesar de algumas mudanças de nomes no decorrer dos anos.
Major Olavo foi o único prefeito de Murici eleito sob a égide da ditadura militar na primeira eleição direta após o golpe de 1964. Com um mandato previsto de seis anos, Olavo permaneceu na cadeira de prefeito até 1988. A trajetória do clã na prefeitura foi brevemente interrompida entre 1988 e 1996, quando dois outros prefeitos fora do círculo familiar dos Calheiros venceram as eleições municipais. Não fossem os opositores, a família Calheiros completaria, neste ano, 41 anos no comando da cidade alagoana.
Em 1996, os Calheiros retomaram as rédeas da prefeitura. Remi Calheiros, filho do major Olavo, foi eleito por dois mandatos, até passar o posto, em 2004, a Renan Filho, filho de Renan Calheiros. Ele foi reeleito em 2008, deixou o cargo em 2010 para ser deputado federal e abriu espaço para o tio Remi, ex-prefeito.
Em 2012, Remi, que já ocupara a prefeitura por dois mandatos, retornou ao cargo com um vice da família: o sobrinho Olavo Neto, filho do irmão mais velho, Olavo Filho. Uma sucessão familiar.
Quatro anos depois, Olavo Neto, que já rondava o gabinete municipal, ocupou a cadeira do tio em 2016, com uma reeleição em 2020. O atual prefeito da cidade pode dar espaço para o primo, Remi Filho, candidato do MDB à prefeitura. Em uma entrevista concedida a um podcast local, Olavo Neto relembrou a influência do avô, major Olavo, na construção da trajetória política da família.
“A influência vem lá de trás, desde os tempos do major Olavo, do meu saudoso avô, que era dono de barracão na usina Campo Verde, trocador de cavalo marchante, um matuto muito vivido com uma experiência rica. Cheguei a conviver com meu avô, não no período que ele esteve prefeito da cidade, mas eu convivi com meu avô. Temos em comum a paixão por cavalos. Era um major sem patentes, mas pelo respeito mesmo das pessoas tinham por ele. Ele era um um sujeito muito simples que adquiriu o conhecimento na vida empiricamente, no dia a dia, passando por situações corriqueiras e desafiadoras”, contou Olavo Neto ao podcast OxeCast.
Procurado pelo Estadão, Remi Filho e Olavo Neto não se manifestaram.
O cientista político Marcus Ianoni, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que o contexto local favorece a perpetuação dos partidos políticos em pequenas e médias cidades. De acordo com ele, as disputas municipais são decididas com base na influência dos grupos políticos sobre a população.
“Nessas localidades, as questões nacionais também aparecem, porém, as oligarquias nelas arraigadas possuem uma capacidade de influência muito grande sobre o processo político, de modo que são elas que, por assim dizer, efetivamente conjugam a temática geral do País“, disse.
Nesses municípios, a pouca complexidade social opera como um fator de inibição da competição política
Marcus Ianones, cientista político e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF)
Ianones explica ainda que o MDB é chamado por alguns cientistas políticos de “partido do interior, por ser mais forte nos rincões do País do que nas grandes cidades”. “Nesses municípios, a pouca complexidade social opera como um fator de inibição da competição política”, afirmou.
“Em 2020, o MDB elegeu 797 prefeitos, o PP, 701 e o PSD, 662. Uma explicação geral para isso é o fato de que, nos municípios menores, há uma maior concentração de recursos políticos nas mãos das oligarquias, como informação, meios de comunicação, dinheiro, status, redes de sociabilidade etc. Em vários casos, uma mesma oligarquia pode se reproduzir durante décadas e a vitória eleitoral acaba sendo um fator de alavancagem dessa reprodução”, explicou.
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