Deputados que assinam impeachment de Lula não podem votar no processo, diz autor do pedido de Dilma

Para Miguel Reale Jr, ex-ministro da Justiça e coautor do impeachment que depôs Dilma, signatário do pedido é parte interessada e não pode exercer papel de juiz

PUBLICIDADE

Foto do author Gabriel de Sousa
Foto do author Juliano  Galisi
Atualização:

Na semana passada, 139 deputados federais subscreveram um pedido de impeachment contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), encabeçado por Carla Zambelli (PL-SP). Ao assinar o requerimento, os parlamentares podem ter comprometido a própria participação na eventual votação da abertura do processo sobre crimes de responsabilidade atribuídos a Lula, minando as chances de afastamento do presidente. É o que interpreta o jurista Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça e coautor do pedido que resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). A organizadora do pedido contesta essa avaliação.

O requerimento contra Lula foi protocolado por opositores do governo após o presidente comparar a ação de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto. Os autores alegam que o petista cometeu “hostilidade contra nação estrangeira” e expôs o País a “perigo de guerra”. O tema foi abordado no ato pró-Bolsonaro na Avenida Paulista no domingo, 25, no qual apoiadores do ex-presidente foram vistos com bandeiras de Israel e entoando cânticos pelo impedimento do chefe do Executivo.

Manifestantes trajam bandeira de Israel durante ato pró-Bolsonaro na Avenida Paulista Foto: Tiago Queiroz/Estadão

PUBLICIDADE

Reale Júnior é ex-ministro da Justiça e teve participação direta nos dois pedidos de impeachment que derrubaram mandatários na história do País. Além do pedido contra Dilma, em 2016, ele também participou da petição que levou ao impedimento de Fernando Collor, em 1992.

Para o jurista, os deputados renunciaram à competência de julgar os crimes de responsabilidade ao aderirem ao pedido como signatários. “Quem assina o impeachment é parte acusadora, portanto, está impedido de julgar”, diz Reale Júnior.

Publicidade

Como mostrou o Estadão, o pedido de impeachment contra Lula acumulou mais assinaturas que os requerimentos contra Collor e Dilma, mas se difere de ambos por ter incluído parlamentares entre os signatários. Nos casos anteriores, apenas entidades da sociedade civil assinaram os pedidos, como movimentos sociais e associações de juristas.

Miguel Reale Júnior. Foto: Felipe Rau/Estadão

Deputados não poderiam ser ‘juízes’

Durante um processo de impeachment, os congressistas fazem o papel de juízes do crime de responsabilidade ao qual o presidente da República é acusado. A Lei do Impeachment (nº 1.079) define que a Câmara se comporta como “tribunal de pronúncia” e o Senado, “tribunal de julgamento”. No jargão jurídico, “pronúncia” significa a admissibilidade de uma acusação. E assim ocorre durante um impeachment: os deputados votam pelo prosseguimento da denúncia, cabendo aos senadores a apreciação do mérito caso de forma definitiva.

A norma também define que todo o processo seja regido pelos termos do Código de Penal, no qual se proíbe expressamente que juízes exerçam suas atribuições em processos dos quais sejam “parte” ou “interessado”. “Quem pede o impeachment é parte. É proponente, logo não pode ser juiz do próprio pedido”, diz Miguel Reale Júnior.

Denúncia virtualmente obstruída

Dessa forma, mesmo que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dê prosseguimento à denúncia contra Lula, os 139 deputados federais que assinaram o pedido estariam impedidos de participar do trâmite, dificultando a aprovação da medida.

Publicidade

Ao receber a denúncia por crime de responsabilidade, uma comissão especial é instalada na Câmara e, se o parecer desse colegiado for favorável ao prosseguimento da acusação, o documento deve ser votado no plenário da Casa e obter a maioria absoluta dos votos, ou seja, dois terços dos 513 deputados, o que equivale a 342 parlamentares.

Como os 139 signatários estariam impedidos de participar do trâmite, o universo de votos possíveis se restringiria a 374, o que virtualmente acaba com as chances do pedido obter votação favorável. Nesse caso, bastariam 32 votos contrários para obstruir o impeachment. Só a Federação PT/PV/PCdoB, por exemplo, possui 81 deputados.

Ao Estadão, Carla Zambelli disse que Reale Júnior está “equivocado”. Segundo a deputada, como compete à Câmara somente o papel da admissibilidade da denúncia, não haveria impedimento aos signatários da medida. “Li todas as leis, todas as regras, não tem absolutamente nada falando sobre isso. Só no Senado”, disse.

Denúncia permanece com Arthur Lira

A possibilidade dos deputados participarem do processo de impeachment nem sequer está na pauta da Câmara, pois Arthur Lira, na condição de presidente da Casa, possui a atribuição de dar prosseguimento à medida de forma exclusiva. O número de requerentes não influencia na admissão da denúncia, que permanece sob gerência única de Lira.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.