Foi bastante atípica a fórmula encontrada pela Câmara dos Deputados para discutir, em tempo recorde, um tema tão complexo quanto a regulamentação da reforma tributária. Os dois projetos de lei complementares, um já enviado e outro a caminho do Congresso, serão debatidos em dois grupos de trabalho com sete deputados cada, por no máximo 60 dias, com votação prevista em julho. Nenhum relator foi indicado.
Muitos viram isso como sinal de dificuldades, com risco de atrasos sérios e até uma ameaça à reforma como um todo. Mas isso seria um equívoco. Na verdade, essa foi apenas outra demonstração, mais extrema, dos níveis sem precedentes de centralização da atividade legislativa em torno do presidente da Câmara - tendência que começou há muitos anos, e que continua a se intensificar desde o governo Bolsonaro e o aumento das votações remotas.
Na prática, o relator da reforma tributária é o próprio presidente, Arthur Lira. E ele faz questão de manter-se no centro das negociações para controlar a sua própria sucessão, sem dar brecha para que futuros candidatos, aliados ou adversários, saiam de sua sombra muito antes da hora.
Lira escolheu a dedo os integrantes dos grupos de trabalho. Deixou de fora seu colega de partido, Aguinaldo Ribeiro, antigo relator da reforma tributária e frequentemente citado como “candidato oculto” para a presidência da Câmara. Os grupos colherão sugestões sobre o texto e proporão mudanças, mas Lira somente escolherá um relator formal após se certificar do conteúdo, e garantir que as ambições estão de acordo com o objetivo de aprovação célere. Na prática, será escolhido aquele que demonstrar o maior alinhamento ao próprio Lira - possivelmente Cláudio Cajado, que já cumpriu função parecida como relator do arcabouço fiscal.
O risco de atrasos existe, mas ele tem mais a ver com eventuais problemas na relação de Lira com o governo e os deputados do que com o texto em si. Há um sentimento geral, tanto no governo quanto no Congresso, de que a reforma tributária tem que ser aprovada dentro do prazo, e as discordâncias que sobraram são tidas como pontuais, incapazes de forçar um impasse prolongado. Lira provavelmente usará sua autoridade para arbitrar esses conflitos.
Enquanto isso, o jogo da sucessão continua com Lira no centro da arena. Nomes alternativos continuam a pipocar, mas o favorito provavelmente será aquele que, com o apoio de Lira, demonstrar aos deputados que manterá a independência da Câmara sem fazer oposição ao governo. Isto é, aquele que, assim como o atual presidente, será duro ao negociar, mas estará pronto para fechar acordos com o governo - permitindo o avanço de sua agenda econômica.
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