PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

As relações entre Executivo e o Congresso

Opinião|Ajuste fiscal de Lula depende de estratégia de comunicação eficaz

Entrevista do presidente mostra esforço para encaixar estratégia de controle de gastos no discurso eleitoral de combate aos privilégios de ricos e poderosos

PUBLICIDADE

Foto do author Silvio Cascione

A entrevista do presidente Lula à rádio CBN na terça-feira (18) foi um evento importante. A forte crítica contra o Banco Central foi o principal destaque. Mas Lula passou outros recados que também merecem atenção, por permitir a projeção de cenários para o restante de seu mandato.

O principal deles foi sobre política fiscal. De todos os temas abordados na entrevista, esse é o mais relevante para as condições econômicas futuras e, consequentemente, para o sucesso ou fracasso do governo. O crescimento dos gastos e o medo de uma alta insustentável da dívida pública estão por trás de todos os problemas econômicos do governo, inclusive os juros altos.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ( PT) acompanhado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em solenidade no Planalto Foto: Wilton Junior/Estadão

Lula falou disso com novidades importantes. A principal delas foi dizer que, de fato, nenhum tipo de medida de ajuste está descartada a priori, nem mesmo medidas que atinjam benefícios sociais. Lula lembrou que, em 2003, propôs uma reforma da previdência no setor público. E voltou a dizer que aprendeu desde pequeno a não gastar mais do que tem.

PUBLICIDADE

Mas Lula falou tudo isso no jeito dele – e não na língua do mercado. Por isso, não inspirou grande confiança em investidores e empresários que querem medidas duras de controle fiscal. Lula repetiu que despesas com educação e saúde são investimentos, e não gastos, e disse que o maior problema fiscal do Brasil não é o gasto com pobre, e sim as transferências para os ricos, por meio de renúncias fiscais. Confirmou, portanto, que continuará propondo medidas de aumento da carga tributária por meio da diminuição de benefícios e descontos.

Ainda assim, a decisão de Lula de encampar a ideia de controle de gastos é importante. A chave é justamente a forma de mostrar isso para a população. Num país tão polarizado, com uma oposição forte e mobilizada, não se deve esperar que Lula repita o que fez em 2003, ou o que Dilma fez em 2015, e bata de frente com o PT. Qualquer estratégia de ajuste fiscal precisa incorporar a ideia de que está focando no combate a privilégios de ricos e poderosos, e de que vai continuar a dar espaço para o crescimento – e não o corte – de investimentos sociais. O ajuste fiscal de Lula precisará ser feito com o PT e o eleitor pobre, e não contra ele.

Publicidade

Mas isso não significa que nada relevante será feito. A mensagem, na prática, é que as medidas de ajuste fiscal serão discretas, incrementais, e cuidadosamente empacotadas junto a outras propostas de apelo popular. Por exemplo, junto a uma possível mudança de cálculo nas contabilidade do fundo de educação básica (Fundeb), o governo deve tentar empurrar cortes de supersalários no Judiciário, e reforçar o debate sobre previdência dos militares.

Sem dúvida, é uma estratégia arriscada. Caminhando dessa forma, Lula tentará fazer apenas o necessário para evitar uma crise de confiança no mercado. O esforço não será para resolver de forma perene o gigantesco problema fiscal, mas simplesmente de atravessar os próximos anos para chegar firme nas eleições de 2026. Resta ver como Lula se comportará se as condições de mercado piorarem, de modo que o mínimo necessário para evitar uma crise mais aguda seja algo intolerável para o partido.

Opinião por Silvio Cascione

Mestre em ciência política pela UNB e diretor da consultoria Eurasia Group

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.