Desde sexta-feira, investidores estrangeiros têm demonstrado preocupação com os comentários de Lula sobre a política fiscal. Em reuniões fechadas, alguns até comparam o atual momento com o segundo governo Dilma, quando o então ministro Joaquim Levy perdeu a batalha sobre a meta fiscal de 2016 e deixou o governo meses antes do impeachment. A analogia é um óbvio exagero, mas dá uma dimensão do grau de ansiedade que parte do mercado mostra com a falta de clareza sobre a política fiscal.
A meta do orçamento será um dos principais temas da agenda neste fim de ano. Mas os acontecimentos dos últimos dias têm uma dimensão ainda maior. No fundo, a pergunta mais importante não é “o que” acontecerá com a meta, mas “por que” Lula está trazendo esse tema publicamente neste momento, e o que isso significa para a política econômica como um todo.
Em suas declarações recentes, Lula deu vários sinais de que está começando a reagir a algo que já estava cada vez mais claro: que o ano de 2024 será mais difícil para o governo, com uma economia mais fraca e turbulências maiores no exterior. Nesse contexto, Lula começou a se movimentar preventivamente, antes mesmo que a economia comece de fato a soluçar.
Por ora, as declarações de Lula tiveram dois efeitos.
Por um lado, elas alinharam as expectativas no mercado e no eleitorado sobre as reais prioridades do governo. Lula deixou claro que a meta fiscal não será um empecilho para que cumpra as promessas de campanha, que dependem em grande medida da capacidade do governo para gastar e investir mais. Isso pode ajudar a manter a base eleitoral de Lula engajada com o governo.
De outro lado, ajudam a acalmar os anseios do Congresso a respeito das emendas e obras prioritárias para os parlamentares. Elas também estarão protegidas de contingenciamentos, o que diminui o risco de atritos na agenda legislativa.
O preço pago por Lula, porém, foi uma perda de credibilidade da política fiscal que começa a ter efeitos sobre os juros futuros – reduzindo o espaço para que caiam – e sobre o câmbio – com risco de contaminar a inflação, caso a preocupação continue a crescer.
Em meio a tudo isso, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, continua a ter mais influência na agenda econômica que seus colegas. É importante recordar, porém, que a última palavra sempre foi de Lula. Com o presidente mais preocupado com 2024, Haddad e sua equipe terão menos graus de liberdade para agir, e terão que reagir com mais frequência a pedidos de Lula por medidas de estímulo - ou alívio – econômico que inevitavelmente se chocarão com outros objetivos: entre eles, a busca pelo equilíbrio fiscal.
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