Uma das grandes incógnitas da última campanha eleitoral era o perfil do ministro da Fazenda de Lula. Havia quem apostasse em economistas renomados, como Henrique Meirelles, mas Lula sempre mostrava preferência por alguém com perfil político. “Não basta a pessoa ser de excelentíssimo conhecimento específico”, disse Lula após o primeiro turno. “Se errar na política, não conserta.”
A novela da meta fiscal provou, mais uma vez, que Fernando Haddad se encaixa bem nesse perfil. Haddad foi exposto à pressão pública pelo próprio presidente, e teve que reagir rápido à pressão do PT e da Casa Civil para manter a meta de déficit zero para 2024. Mas conseguiu reverter a situação, com habilidade e alguma criatividade.
Haddad sabe que essa não foi a última fritura pública que sofrerá; a própria meta fiscal continua ameaçada, e ainda pode ser alterada no futuro. Mas a briga sobre a meta ajuda a entender o cenário para o próximo ano.
Parte do esforço de Haddad para convencer Lula esteve na busca por apoio daqueles que poderiam sensibilizar o presidente. Não adiantava simplesmente pedir socorro ao mercado; o Palácio dá de ombros a pequenos soluços no dólar. Mas Haddad foi atrás de apoio de lideranças do Congresso, como Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, a quem Lula não pode ignorar, e, também de economistas do PT, como Aloizio Mercadante e Guido Mantega. Foram apoios importantes que permitiram a Haddad evitar uma posição de isolamento, mesmo em meio ao bombardeio de perguntas da imprensa e do mercado.
Além disso, Haddad evitou um embate direto com o próprio chefe, e trabalhou dentro das restrições impostas pelo próprio Lula. Haddad entende que, para o presidente, a meta não é um fim em si mesmo; o mais importante, para Lula, é que o esforço fiscal coexista com uma política de expansão dos gastos sociais e infraestrutura. Então, para virar o jogo, Haddad tentou demonstrar que o risco de cortes de gastos em 2024 é baixo, e não justifica a pressa de mudar uma meta que acabou de ser estabelecida.
Para justificar sua posição, Haddad propôs uma interpretação nova para a regra de contingenciamento a ser adotada em 2024. Haddad afirma que essa interpretação já estava valendo desde a aprovação do arcabouço fiscal, mas é sintomático que a base governista no Congresso, por meio do líder Randolfe Rodrigues, esteja tentando deixar essa regra de contingenciamento explícita na lei de diretrizes orçamentárias. Sinal de que está havendo sim uma mudança na política fiscal – ainda que não na meta em si, que tem um peso simbólico maior.
No fim, Haddad está conseguindo o mais importante para um ministro da Fazenda: garantir que nenhum outro ministro tenha mais influência sobre política econômica do que ele. Isso será importante para 2024, que ainda promete ser um ano mais dificil. Mas Haddad não tem a última palavra em política econômica. Essa prerrogativa é, e continuará sendo, de Lula.
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