O Brasil tem um grave desequilíbrio estrutural das contas públicas e continuará sofrendo as consequências disso nos próximos anos, como juros altos e inflação persistente. As medidas fiscais anunciadas na semana passada servem para evitar o estouro do limite de gastos antes das próximas eleições em 2026, deixando para o próximo governo, em 2027, a tarefa de aplicar remédios mais fortes. Essa limitação do pacote fiscal nem chega a ser uma novidade; o que não se esperava era que a comunicação dele fosse confundir os credores do País a ponto de assustá-los ainda mais, agravando a crise de confiança.
As próximas semanas serão muito importantes para definir melhor as condições políticas e econômicas do próximo ano, a depender de como as medidas serão recebidas pelo Congresso e do efeito final que terão sobre o Orçamento. Por ora, cabe refletir sobre o processo de construção da proposta, e o que ele revela sobre Lula e seu governo – que agora enfrentam um cenário econômico mais perigoso para os próximos dois anos, em parte em função de suas próprias escolhas.
Com o pacote, Lula mostrou mais uma vez que concorda com a necessidade de medidas de controle de gasto. Além de bloquear despesas do Orçamento, ele aceitou mudanças em áreas muito sensíveis, como a política de valorização do salário mínimo. O contexto político atual permite esse tipo de movimento. Lula tem hoje um índice de aprovação alto, perto de onde estava no início do mandato, em meio a uma economia aquecida. Isso mantém a confiança em Fernando Haddad como condutor da política econômica – pois, afinal, os números da “economia real” estão indo bem. Mas, ao mesmo tempo, Lula reconheceu que, se nada fosse feito, esse bom momento acabaria antes de 2026; uma correção de rota o manteria competitivo para a reeleição.
Esse diagnóstico já tem estado claro há meses, e foi o que abriu as portas do Planalto para semanas de intensa negociação em novembro para definição do pacote fiscal. A novidade que veio com o anúncio foi o tamanho da preocupação de Lula em controlar a comunicação das medidas de modo a evitar qualquer risco de desagradar os eleitores. Já se sabia que o pacote seria modesto, e que as medidas seriam desenhadas de forma que pudessem ser comunicadas como um reforço das atuais políticas sociais, e não como um corte de gastos. Mas, por cima de tudo isso, Lula fez questão de destacar a promessa de isentar a classe média (com renda de até R$ 5 mil mensais) do imposto de renda. Uma blindagem completa em termos de comunicação política, mas que veio a um custo bastante alto do ponto de vista das expectativas de mercado, dada a falta de explicações sobre a natureza dessa reforma.
Leia também
Em resumo, Lula mostrou que é extremamente avesso a qualquer medida ou discussão que traga o risco de perda de popularidade, especialmente se elas criarem a impressão de contrariarem sua biografia justamente no final de seu terceiro mandato. O mais preocupante é ver esse tipo de reação faltando tanto tempo para a campanha eleitoral começar de vez. Ao longo de 2025 e 2026, se Lula aparecer atrás nas pesquisas de intenção de voto, a política econômica tende a perder consistência, tanto por medidas concretas, quanto pelas promessas a serem feitas sobre 2027 em diante. E, ironicamente, os erros de comunicação e a falta de ambição do pacote fiscal aumentam as chances disso acontecer.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.