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As relações entre Executivo e o Congresso

Opinião | Retórica assertiva contra Trump terá efeito menor sobre eleitor brasileiro do que em outros países

Sentimento nacionalista tem aumentado popularidade de vários governos após disputas com presidente americano; mas será difícil ver o mesmo fenômeno no Brasil

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Foto do author Silvio Cascione

Qual a melhor estratégia para lidar com Donald Trump? Todos os países têm se ocupado, de uma forma ou de outra, com essa mesma pergunta. Em muitos casos, como no Canadá, México e lugares da Europa, a resposta vem carregada de um certo nacionalismo, o que soa natural. Contra o lema “America First”, cada país reafirma a sua própria identidade e seus interesses.

No Canadá, tem sido muito impressionante a maneira como o tema passou a dominar as eleições nacionais, marcada para 28 de abril. O Partido Liberal, que antes parecia fadado a deixar o poder com uma derrota por larga margem, voltou definitivamente ao páreo apelando ao patriotismo dos canadenses e se mostrando intransigente às provocações de Trump.

O presidente dos EUA Donald Trump tem feito ameaças de elevação de taxas de produtos de países estrangeiros Foto: Doug Mills/NYT

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Na França, Emmanuel Macron também tem se recuperado nas pesquisas de popularidade antagonizando os Estados Unidos na questão da Ucrânia. A defesa dos interesses da França e da Europa, com a promessa de aumento dos gastos militares, tem dado oxigênio extra a Macron na fase final de seu mandato, o que tem sido essencial para administrar um governo cada vez mais dividido.

Como isso se aplica ao Brasil? Na semana passada, argumentei que é alta a probabilidade de novas tarifas e barreiras comerciais contra nós, talvez já na próxima semana, e que há pouco espaço para negociações. Nos bastidores, o Brasil tem demonstrado bastante pragmatismo, tentando encontrar brechas para ganhar alguma quota ou isenção enquanto prepara medidas retaliatórias como último recurso, se for preciso aplicar mais pressão. Mas qual deve ser a postura pública do Brasil, do ponto de vista do discurso político, nesse novo quadro?

De modo geral, é bastante improvável que a postura do Brasil perante Trump faça diferença na popularidade de Lula ou nas eleições de 2026. Pode até haver algum ruído, aqui ou ali, mas esse não deve ser um tema relevante ou decisivo, pensando de forma estrutural.

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Não só a política externa costuma ser irrelevante para o eleitor mediano do Brasil, mas a relação bilateral com os Estados Unidos também importa pouco para outros assuntos que são de interesse real para a população. É diferente dos países da América do Norte ou da Europa. Na França, a questão da Ucrânia é um tema de segurança nacional; no Canadá e no México, as tarifas têm um impacto enorme sobre a atividade econômica. Não é o caso do Brasil.

No nosso caso, a maior influência de Trump sobre o humor dos eleitores é indireta, pela possibilidade de que suas políticas aumentem a inflação ou afetem o crescimento. Mas é uma cadeia de fatores longa, complexa, e nem faria sentido tratá-la de forma bilateral se ela é apenas um efeito colateral e não o objetivo central da agenda de Trump.

Por isso, quando Lula diz que “não tem medo de cara feia” e pede respeito, não se deve achar que ele esteja encontrando uma muleta para recuperar popularidade. Se isso for percebido como útil para as negociações em si, pode até fazer sentido, mas o efeito sobre a opinião pública brasileira deve ser nulo.

O mesmo se aplica à oposição. O apelo ao patriotismo brasileiro se choca com a própria agenda de Trump e a maneira como seu governo trata os milhares de brasileiros que tentaram viver o sonho americano, de prosperidade e empreendedorismo, e agora se escondem para não serem deportados. Mas, em última instância, isso diz pouco sobre as chances de mudança política nas eleições de 2026. Economia e, provavelmente, segurança pública despontam por ora como os principais temas da opinião pública brasileira, e Trump é apenas um figurante nesses debates.

Opinião por Silvio Cascione

Mestre em ciência política pela UNB e diretor da consultoria Eurasia Group

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