A vitória estrondosa de Donald Trump nas prévias republicanas de Iowa nesta semana reforçou o principal risco global de 2024 – o espectro de uma eleição contestada nos Estados Unidos. Os números mostraram um amplo domínio de Trump sobre as bases do partido. Tradicionalmente, ex-presidentes que perderam eleições têm muitas dificuldades de voltarem a ser competitivos em prévias. Trump não só contrariou esse histórico, como estabeleceu um novo recorde absoluto para o início da pré-campanha republicana, com mais de 50% dos votos em Iowa.
Ficou claro, portanto, que as prévias eleitorais serão apenas protocolares neste ano. A disputa será dominada por Trump e Biden, em um ambiente de extremismo retórico e impasses no Congresso. O resultado será uma América mais polarizada e disfuncional no cenário mundial.
O cenário é preocupante para todos, pois há muito em jogo. A começar pelo próprio Trump. Temendo a prisão em caso de derrota, Trump buscará minar a integridade eleitoral, apelando para narrativas de vítima e alegações de fraude. Isso colocará pressão sobre governos estaduais e responsáveis pelas eleições a gerenciar o processo de modo que o beneficie.
A mera possibilidade de vitória de Trump enfraquecerá os EUA geopoliticamente, levando aliados e adversários a se prepararem para sua possível volta. Isso pode levar a uma postura mais arriscada por parte da Ucrânia contra a Rússia, por exemplo. Além disso, as pressões dos republicanos no Congresso podem dificultar os esforços de Biden de evitar uma piora significativa na relação com a China, e o debate eleitoral pode até complicar as preparações para a cúpula do G20, que ocorrerá no Rio de Janeiro sob liderança brasileira.
Mesmo depois de novembro, o cenário é ruim, independente do resultado. Se Trump ganhar, os Democratas o verão como um presidente ilegítimo. Trump poderá usar o perdão presidencial para limpar a sua própria ficha, o que agravará ainda mais esse problema. Se Biden vencer, Trump e sua base contestarão os resultados com força, alimentando a divisão política e acelerando a fragmentação do país em estados vermelhos e azuis. Com a profunda divisão política piorando problemas fiscais e regulatórios, até mesmo preocupações sobre a estabilidade dos EUA como destino de investimento de longo prazo – em comparação com outros mercados desenvolvidos – poderiam surgir. A economia norte-americana é muito dinâmica e vigorosa, mas empresas e investidores terão, cada vez mais, que incorporar os custos associados ao risco político dos EUA.
Não há, portanto, como desviar os olhos da política americana em 2024. Conforme a campanha esquente, será preciso acompanhar as propostas de Biden, e especialmente de Trump, para política ambiental, comercial, e relações internacionais, para entender no detalhe e antecipar os potenciais riscos para as empresas, investidores, e o próprio governo brasileiro.
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