BRASÍLIA - O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse em entrevista ao Broadcast Político/Estadão que “não há o que fazer” para evitar que redes virtuais privadas, as chamadas VPNs, na sigla em inglês, sejam usadas para burlar decisões judiciais no Brasil. A única saída seria a Justiça determinar o bloqueio de todas as VPNs - solução adotada em países com mais restrições à liberdade de expressão, como China e Coreia do Norte.
“A reflexão que precisa ser feita é o quão cara é a soberania do País no ambiente digital. O modelo chinês é o máximo de controle. No Brasil, a linha não é essa. Essa é uma decisão que cabe ao Estado, e a Anatel vai cumprir o que for definido em termos de políticas públicas”, disse Baigorri na entrevista. Na China, por exemplo, não é possível acessar sites como Google, YouTube e Instagram. Para conseguirem acesso, os chineses recorrem ao uso de VPNs.
O debate ganhou força após o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), incentivar os usuários a baixarem a ferramenta como forma de garantir o acesso à plataforma. Musk tem ameaçado descumprir ordens judiciais, o que abriria espaço para a derrubada do X no Brasil. O presidente da Anatel diz que as falas de Musk não causaram preocupação no órgão. “Somos servidores públicos e estamos aqui para fazer nosso papel, que é cumprir a decisão judicial”, disse.
Em 2022, após ser acionada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a Anatel foi responsável por bloquear o acesso dos brasileiros ao Telegram por 72 horas. A decisão foi proferida pelo ministro Alexandre de Moraes após a plataforma descumprir decisões judiciais. Em maio de 2023, o ministro voltou a ameaçar o bloqueio do Telegram e proibiu, no despacho, o uso de “subterfúgios tecnológicos para continuidade das comunicações ocorridas pelo Telegram”. Moraes fixou multa de R$ 100 mil por hora em caso de descumprimento. O presidente da Anatel, contudo, afirmou que não há como localizar os usuários que utilizarem VPNs.
Na prática, a Anatel consegue bloquear o acesso dos usuários a determinado site ou aplicativo porque identifica os números de IP conectados no Brasil. O que a VPN faz é ocultar o endereço de IP, tornando aquele acesso invisível para as autoridades. “Na China, é assim que as pessoas acessam os conteúdos do Google. É como se maquiasse a origem. Não tem nenhum problema com isso, é uma solução (para o usuário). Até porque não existe nada na Legislação que proíba isso”, afirmou Baigorri.
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“O problema é que quando um país segue essa linha que o Brasil seguiu e quer fazer valer suas decisões no mundo digital, muitas vezes vai ter muita dificuldade de fazer. Não estou aqui para dizer se é o mais adequado ou não. Estou aqui para auxiliar na implementação do que é decidido”, emendou.
A Starlink, empresa de Musk que presta serviço de internet via satélite, tem 149.615 pontos de acesso no Brasil, de acordo com dados da Anatel. Isso representa 0,3% do mercado. O Broadcast Político questionou Baigorri a respeito do risco de a Starlink descumprir ordens judiciais para bloquear o acesso a sites e aplicativos. “A Starlink é uma das 20 mil empresas que têm autorização de serviço de internet no Brasil. Se houver qualquer decisão, ela será notificada e nós iremos fiscalizar para que ela esteja cumprindo. Se não cumprir, estará sujeita às sanções”, respondeu o presidente da Anatel.
O cumprimento de decisões da Justiça Eleitoral será mais célere nas eleições deste ano, conforme prevê o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri. Em entrevista exclusiva ao Broadcast Político, Baigorri afirma que o órgão foi surpreendido pelo volume de decisões judiciais no pleito de 2022. Agora, segundo ele, com sistema integrado ao Judiciário, a expectativa é de que o fluxo de comunicação com as operadoras seja capaz de efetivar bloqueios “em questão de poucas horas”.
“Em 2022, fomos surpreendidos ao receber decisões judiciais, algumas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e outras do STF (Supremo Tribunal Federal), determinando medidas para interromper o acesso ao site ou aplicativo em questão. Não estávamos preparados para isso, tivemos que apagar incêndio. Fomos desenvolvendo protocolos na hora”, diz o presidente da Anatel. Baigorri afirma que a surpresa se deu não exatamente pelo teor, mas pelo volume de decisões.
No protocolo da época, as decisões chegavam de forma física ao órgão regulador, que na sequência digitalizava e comunicava as operadoras. “A Anatel não tem nenhum papel proativo nisso. Nós não ficamos procurando nas redes sociais e avisando a Justiça. Nós informamos que há uma decisão judicial e elas têm de cumprir. E nós fiscalizamos para ver se elas cumpriram”, explica o presidente.
“Quando mandamos as primeiras decisões para as operadoras, elas também não estavam preparadas para isso, para receber esse volume de decisões, elas não tinham equipes prontas para isso. Todo mundo teve que parar o que estava fazendo para atender, porque decisão judicial precisa ser cumprida. Hoje não, hoje as empresas já estão mais bem preparadas”, avalia Baigorri.
Integração
No rito atual, as plataformas são notificadas para a retirada de conteúdos específicos que violam a legislação eleitoral. Essa etapa é feita em canal direto entre a Justiça Eleitoral e as big techs. Se as plataformas descumprirem a decisão judicial, a Anatel pode ser acionada pela Justiça para bloquear o acesso à rede social para todos os brasileiros. A Anatel também atua para acionar as operadoras de internet para bloquear sites que disseminam desinformação. Em 2024, as operadoras devem ser notificadas mais rapidamente.
“Cada empresa tem de ir no seu sistema, na sua rede, e incluir aquele site na relação de sites bloqueados”, explica o presidente da Anatel. A efetivação é um desafio, já que o País conta com mais de 20 mil operadoras de serviço de internet, entre maiores e menores. Mesmo com o novo sistema, o bloqueio em todas as operadoras pode demorar dias. Mas, para as maiores, a expectativa é de que isso seja possível “em questão de poucas horas”.
O alinhamento das novas regras e procedimentos será pauta de uma reunião nesta semana entre Anatel e associações que representam as operadoras. Segundo Baigorri, na ocasião será cobrado engajamento do setor para o cumprimento das medidas. “Lembrar que é importante, para todo mundo estar preparado para isso”, destaca.
“A Starlink é uma das 20 mil empresas que têm autorização de serviço de internet no Brasil. Se houver qualquer decisão, ela será notificada e nós iremos fiscalizar para que ela esteja cumprindo. Se não cumprir, estará sujeita às sanções”
Carlos Baigorri, presidente da Anatel
Outro avanço citado pelo presidente da Anatel é o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde), criado pelo Tribunal Superior Eleitoral e que terá uma rede de comunicação em tempo real com os 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). “O Ciedde serve para todas as partes trocarem conhecimento, informações, e o combate à desinformação ser o mais eficiente possível”, afirma Baigorri.
“Como quem toma decisão judicial muitas vezes não tem conhecimento técnico sobre o que a gente consegue fazer, é importante essa integração porque quando a gente está lá a gente consegue fazer com que a decisão judicial seja exequível”, diz o presidente da Anatel. Ele cita como exemplo de decisão inexequível aquelas que pedem que a reguladora retire um post específico do ar.
“Se um juiz faz toda a instrução do processo e a conclusão dele é algo que é inexequível, vai bater aqui e vai voltar, vai ter retrabalho e perde-se tempo. Isso serve para nivelar conhecimentos”, complementa Baigorri sobre o Ciedde.
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