STF autoriza desembargador de SC a ver mulher mantida sob escravidão e o retorno dela à casa dele

André Mendonça mantém decisão de ministro do STJ, que disse não ver indícios de crime porque a empregada ‘viveu como se fosse membro da família’; desembargador nega todas as acusações

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Foto do author Isabella Alonso Panho
Atualização:

O caso do desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) Jorge Luiz de Borba, suspeito de manter uma empregada em condições análogas à escravidão, teve uma reviravolta nesta quinta-feira, 7. André Mendonça, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou o encontro do desembargador com a vítima e permitiu que ela voltasse para o lugar de onde foi resgatada – se ela concordasse, o que já ocorreu.

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Mendonça rejeitou um recurso da Defensoria Pública que queria impedir o reencontro para proteger a vítima. O processo foi encaminhado ao Supremo depois que o ministro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu atender pedido do desembargador para poder retomar o contato com a empregada.

Campbell se disse convencido de que, após examinar o processo, não viu indícios suficientes de crime porque a empregada “viveu como se fosse membro da família” na residência dos investigados.

O desembargador Jorge Luiz de Borba é suspeito de manter uma mulher em condições análogas à escravidão em sua casa Foto: ASSESSORIA DE IMPRENSA - TJSC

O desembargador e a esposa, Ana Cristina Gayotto de Borba, pediram para ter acesso à vítima e poderem trazê-la de volta, se ela concordar.

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Desde a operação da Polícia Federal do dia 6 de junho, que resgatou a empregada doméstica, ela está em uma instituição de acolhimento, cujo endereço permanece sob sigilo. Agora, com a nova decisão da Justiça, Borba pode saber onde ela está e reencontrá-la. Se a vítima concordar e quiser, ela poderá voltar para a residência do desembargador.

Como mostrou o Estadão, o desembargador continua exercendo suas funções na 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SC. Desde que o caso foi revelado, ele já recebeu quase R$ 200 mil em salários e benefícios.

Entenda a reviravolta do caso

A Defensoria Pública da União, que defende a empregada doméstica, discordou da decisão, alegando que a Justiça precisa respeitar um protocolo de ressocialização da vítima, para que ela conquiste a autonomia necessária para tomar uma decisão sobre o seu futuro.

A empregada é surda e nunca aprendeu Libras enquanto morava na casa do desembargador. Ela foi levada para lá aos 9 anos e hoje tem 50. A vítima raramente saía de casa e também não sabe ler. Na instituição de acolhimento, ela está aos cuidados de profissionais que têm dado suporte a essas questões.

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‘Sem risco’

Mendonça manteve a posição de Campbell Marques, autorizando o encontro dos investigados com a vítima e um eventual retorno dela para a casa do desembargador.

“Não consta do processo e tampouco há notícia da existência de manifestações técnicas especializadas a respeito da capacidade intelectual da paciente (a empregada doméstica), no sentido de que a mesma seria privada de discernimento”, argumentou o ministro do Supremo.

O ministro do Supremo André Mendonça entendeu que não há risco para a vítima na decisão Foto: Nelson Jr. / STF

Em outro trecho da decisão, Mendonça disse ainda que não via na decisão do STJ um “risco” à empregada, como apelou a Defensoria.

‘Como membro da família’

Na instância de origem da investigação, o ministro do STJ Campbell Marques permitiu o reencontro e a volta da vítima para o local de onde foi resgatada por entender que os depoimentos das testemunhas não têm indícios de que a empregada foi tratada como escrava.

“Considero que os depoimentos colhidos, (...), mitigaram sobremaneira a percepção inicialmente configurada, não havendo, ao menos por ora, elementos para presumir que ainda se faz presente o risco de perpetração do delito do art. 149 do Código Penal”, decidiu o magistrado. O crime do artigo 149 é “redução a condição análoga à de escravo”.

O ministro do STJ Campbell Marques entendeu que a empregada vivia na casa 'como se fosse da família' Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Ele considerou que o fato da vítima não ter tomado todas as vacinas é “circunstância, evidentemente, despida de qualquer relevância” e citou exemplos de momentos de convivência familiar.

“Pelos últimos 40 anos, a suposta vítima do delito viveu como se fosse membro da família”, afirmou Campbell Marques na decisão.

O encontro estava marcado para acontecer na última quarta-feira, 6. A Justiça determinou que ela aconteceria dentro da instituição de acolhimento, com a presença dos advogados das partes, e fosse gravada, para servir de prova nas investigações.

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Afastamento do auditor do trabalho

Poucos dias depois do caso vir à tona, Campbell Marques determinou o afastamento do auditor do trabalho Humberto Monteiro Camasmie das investigações, proibiu o acesso dele aos autos e ordenou à Polícia Federal de Santa Catarina que o investigue pelo crime de violação de sigilo funcional, cuja pena é de seis meses a dois anos de detenção.

Auditor do trabalho foi afastado do caso e vai ser investigado pela PF de Santa Catarina Foto: Reprodução/Google Maps

A motivação do ministro foi a entrevista que o auditor concedeu ao programa Fantástico. “Os fatos por ele noticiados durante sua entrevista encontravam-se sob segredo de Justiça”, argumentou o magistrado.

Além da medida criminal, Campbell Marques determinou que Camasmie também seja investigado pela Corregedoria do Ministério do Trabalho e do Emprego pelo suposto vazamento de informações da investigação.

Outro lado

Desde que o caso veio à tona, Jorge Luiz de Borba nega todas as acusações. Depois da operação da Polícia Federal que resgatou a empregada, ele divulgou uma nota dizendo que “a pessoa, tida como vítima, foi na verdade acolhida” na família.

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“Aquilo que se cogita, infundadamente, como sendo suspeita de trabalho análogo à escravidão, na verdade, expressa um ato de amor”, declarou o desembargador. Ele também afirmou que vai pedir a adoção afetiva da vítima.

Além da investigação sob os cuidados do STJ, Borba também responde a uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por causa do episódio. Os dois procedimentos são sigilosos.

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