O Supremo Tribunal Federal (STF) discute em plenário nesta quarta-feira, 20, a decisão do presidente Dias Toffoli que, em julho, determinou a suspensão de todas as investigações criminais em curso no País que utilizavam dados de órgãos de controle - como o Banco Central, a Receita Federal e o antigo Coaf - rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF) - sem autorização judicial.
Entre os casos paralisados, está o do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. Foi devido a um pedido da defesa do senador que Toffoli tomou a decisão de suspender as investigações, sob a alegação de que houve quebra ilegal de sigilo bancário por parte dos procuradores, que acessaram relatórios do Coaf sem uma decisão judicial.
Flávio é alvo de um inquérito no Ministério Público do Rio que apura a suspeita de rachadinha - repasse de salários de assessores para o próprio deputado - em seu gabinete quando era deputado estadual no Estado. A suspeita se tornou pública após o Estado revelar, em dezembro de 2018, que dados do Coaf mostravam uma movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão na conta bancária de Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio.
O que é o Coaf?
Veja no gráfico abaixo o que é o Coaf e como funciona o compartilhamento das informações com os órgãos investigadores, como o Ministério Público e a Polícia Federal.
Veja a cronologia do caso, da decisão de Toffoli ao julgamento desta semana:
A pedido de Flávio, Toffoli suspende investigações com dados do Coaf
Após um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, Toffoli suspendeu, no dia 16 de julho, todos os processos judiciais em que houve compartilhamento de dados de inteligência financeira, levantados pela Receita Federal, Banco Central ou Conselho de Controle da Atividades Financeiras (Coaf), com o Ministério Público sem autorização prévia ou instaurados sem a supervisão da Justiça. A decisão gerou reações entre procuradores do Ministério Público, que alegam que a medida contraria recomendações internacionais de combate a crimes financeiros e geram “grande preocupação”.
Segundo levantamento feito pelo Estado, a liminar do presidente do Supremo tem o potencial de travar não apenas investigações contra a corrupção, mas também um acervo de mais de 5 mil inquéritos contra facções criminosas e tráfico de drogas. Dados do próprio Coaf mostram que foram enviados, entre janeiro de 2014 e junho de 2019, quase 16 mil Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) foram produzidos e enviados para órgãos de investigação (Polícia Federal, Ministério Público, Promotorias, CGU e Receita). A decisão também afeta um projeto antilavagem do Ministério da Justiça.
Bolsonaro sai em defesa da decisão de Toffoli
Dias depois da suspensão dos inquéritos, o presidente Jair Bolsonaro se manifestou favoravelmente à medida. “Pelo o que eu sei, pelo o que está na lei, dados repassados, dependendo para quê, devem ter decisão judicial. E o que é mais grave na legislação. Os dados, uma vez publicizados, contaminam o processo”, afirmou Bolsonaro. “Somos poderes harmônicos e independentes. Te respondi? Ele é presidente do Supremo Tribunal Federal. Somos independentes, você acha justo o Dias Toffoli criticar um decreto meu? Ou um projeto aprovado e sancionado? Se eu não quisesse combater a corrupção não teria aceitado o (Sérgio) Moro como ministro”, disse.
Transferência do Coaf para o Banco Central e mudança de nome
No dia 20 de agosto, o governo editou uma medida provisória que mudou o nome do Coaf para Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Além disso, o órgão foi transferido do Ministério da Economia para a atribuição direta do Banco Central (BC). Em meio à mudança, o presidente do órgão, Roberto Leonel, que havia sido indicado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, foi substituído pelo servidor aposentado do BC Ricardo Liáo. A mudança foi interpretada como uma derrota de Moro.
Como mostrou o Estado à época, a mudança abriu brechas para indicações políticas dentro do conselho do órgão de controle, cuja escolha antes da alteração ficava restrita a funcionários de carreira do BC e da Receita Federal.
Gilmar Mendes suspende processos de Flávio
Em 30 de setembro, o ministro Gilmar Mendes decidiu suspender processos envolvendo a quebra do sigilo de Flávio no caso Queiroz. A decisão atendia ao pedido do advogado Frederick Wassef, defensor do filho do presidente, que havia se reunido dois dias antes com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. A determinação do ministro beneficia apenas o senador do PSL.
Gilmar Mendes destacou na decisão um e-mail enviado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, de 14 de dezembro de 2018, no qual o MP-RJ solicita ao Coaf mais informações - sem prévia autorização judicial. A decisão foi tomada com base na determinação de Toffoli, segundo a qual as investigações contra Flávio já deveriam estar suspensas. A defesa do senador, no entanto, alegava que os processos não foram devidamente suspensos, desrespeitando, portanto, a ordem do presidente do Supremo. Gilmar era o relator da reclamação do senador.
Missão da OCDE aponta prejuízos no combate à corrupção
Em missão no Brasil para avaliar eventuais riscos ao combate à corrupção no País, o grupo de trabalho antissuborno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) fez uma visita ao STF no dia 13 de novembro e demonstrou preocupações com decisões tomadas recentemente pelo Judiciário brasileiro, entre elas a de Toffoli, que vetou o compartilhamento de dados fiscais e bancários entre órgãos de investigação sem o aval prévio da Justiça.
Segundo o presidente do grupo, o esloveno Drago Kos, se a decisão de Toffoli for mantida pelo plenário da Corte, "serão necessárias medidas mais fortes". "Ainda vamos pensar no que fazer, mas a nossa reação vai ser forte", disse Kos, em entrevista coletiva. Ele chegou a ter uma conversa com Dias Toffoli sobre o tema.
Toffoli obtém acesso a dados sigilosos da Receita e do Banco Central
No dia 14, foi noticiado que Dias Toffoli exigiu do Banco Central cópias de todos os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos nos últimos três anos pelo Coaf. O ministro também determinou à Receita que enviasse ao STF todas as representações fiscais para Fins Penais (RFFP) elaboradas no mesmo período. Os relatórios sigilosos envolvem 600 mil pessoas (412.484 pessoas física e 186.173 pessoas jurídicas). A lista inclui pessoas com foro privilegiado.
Na sequência, houve uma sucessão de recuos. Primeiro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, informou que não contestaria o pedido de Toffoli, uma vez que o ministro havia assegurado que nem ele nem o STF haviam acessado os relatórios, o que exigia um cadastro prévio no sistema interno dos órgãos controle. Segundo Toffoli, o cadastro não foi feito.
Diante da repercussão negativa nos meios jurídico e político, Aras voltou atrás e pediu ao presidente do Supremo a revogação da decisão, alegando que se tratava de uma “medida desproporcional” e que colocaria em risco a integridade do sistema de inteligência financeira.
No mesmo dia, 15 de novembro, Toffoli rejeitou o recurso de Aras e ainda ampliou a solicitação de acesso aos relatórios financeiros, exigindo saber quem no Ministério Público Federal e na UIF teve e tem acesso às informações sigilosas.
Procuradores do Rio dizem que decisão no caso Flávio ‘desborda’ recurso no STF
No sábado, 16, o Ministério Público do Estado do Rio enviou a Toffoli manifestação indicando que a decisão de suspender todos os processos e investigações que abrigam relatórios de inteligência financeira "desborda por completo" o tema do recurso que será analisado pela Corte nesta quarta-feira, 20.
Para os procuradores do MP-RJ, a decisão precisa ser reformulada, não só pelos efeitos práticos mas para preservar um "sistema investigatório legalmente constituído e que preserva os ditames republicanos".
Órgãos do MP falam em 935 casos parados e pedem liberação dos inquéritos
Nesta segunda-feira, 18, três órgãos de coordenação e revisão do MPF pediram a revisão da decisão de Toffoli de suspender as investigações, informando que a medida paralisou 935 inquéritos.
Segundo o MPF, o número de casos paralisados, há três semanas, era de 700, mas a conta tem aumentado à medida que a Procuradoria toma conhecimento de requerimentos de defesa e decisões judiciais cumprindo a ordem de Toffoli.
Toffoli recua e anula decisão que dava acesso a dados de 600 mil
Na noite desta segunda-feira, 18, o ministro Dias Toffoli decidiu voltar atrás e anulou a medida que exigia acesso aos relatórios produzidos nos últimos três anos pela UIF e pela Receita. A decisão, agora tornada sem efeito, foi duramente criticada por membros do Ministério Público Federal e congressistas, que reforçaram as articulações em torno de uma CPI da Lava Toga, que mira ministros de tribunais superiores.
Senadores propõem PEC que libera envio de dados ao MP sem aval judicial
Às vésperas do julgamento do STF sobre o compartilhamento de dados de órgãos de controle, um grupo de 29 senadores apresentou nesta terça-feira, 19, uma PEC para liberar o envio de dados ao Ministério Público sem a necessidade de autorização judicial prévia. Encabeçada pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES), a medida foi uma reação à decisão de Toffoli e uma forma de pressionar os ministros a reverterem a suspensão dos inquéritos.
Aras pede suspensão da liminar que paralisou caso Queiroz
Também neste terça, 19, Aras encaminhou um memorial ao STF em que alerta os integrantes da Corte que limitar o compartilhamento de dados sigilosos do antigo Coaf com o Ministério Público e a Polícia pode “comprometer tanto a reputação internacional do Brasil quanto sua atuação nos principais mercados financeiros globais“.
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