STF julga bloqueio de emendas; saiba quais cidades mais receberam recursos e serão auditadas

Roraima, Amapá e Tocantins são os Estados com mais municípios que devem ser auditados pela CGU. Em vários deles, transparência é precária e predominam as ‘emendas Pix’, sem finalidade definida; parlamentares que apadrinharam o envido de dinheiro dizem que beneficiam locais mais pobres

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Foto do author André Shalders
Atualização:

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal começa a julgar nesta sexta-feira, 15, o destino das emendas parlamentares ao Orçamento. Por decisão do ministro Flávio Dino, foram bloqueados todos os repasses de dinheiro público patrocinados por senadores e deputados e que não tinham transparência. No começo do mês, o mesmo Dino determinou à Controladoria Geral da União (CGU) que auditasse os municípios que mais receberam emendas parlamentares, por habitante, nos anos de 2020 a 2023.

No julgamento, todos os ministros da Corte votaram pela suspensão das emendas. A liberação do dinheiro indicado pelos parlamentares está no centro do mais recente embate entre Judiciário, Congresso e Executivo. No dia 1º de agosto, o ministro Dino determinou que as chamadas emendas Pix só sejam pagas após o Congresso e o Executivo tomarem providências para dar transparência ao uso dos recursos. Essa modalidade de emenda pode ser usada para qualquer finalidade, exceto pagamento de pessoal, e não deixa rastros em ferramentas de acompanhamento de convênios da União.

Nesta semana, Dino também bloqueou o pagamento de emendas consideradas impositivas, ou seja, modalidade que obrigado o governo federal a liberar o dinheiro destinado a redutos políticos de deputados e senadores. Em recurso enviado ao STF, o Parlamento sustenta que Flávio Dino “extrapolou”. (veja mais detalhes abaixo).

Municípios campeões de emendas e seus padrinhos

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Cruzando dados orçamentários e do Censo de 2022, o Estadão chegou à lista de municípios que deverão ser analisados pela CGU. Concentradas em Roraima, no Amapá e em Tocantins, as cidades são base eleitoral do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP); do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro; e dos senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Chico Rodrigues (PSB-RR), entre outros.


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino realizou audiência de conciliação para discutir o orçamento secreto Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

São Luiz (RR) é uma cidade de apenas 7,3 mil habitantes, a quatro horas de carro da capital de Roraima, Boa Vista. De 2020 a 2023, a prefeitura local recebeu R$ 108 milhões em emendas parlamentares de todos os tipos. É como se cada morador tivesse sido agraciado com R$ 14,8 mil – o maior valor per capita do País no período. No entanto, é difícil saber como a cidade usou a bonança financeira. No Portal da Transparência da prefeitura não há qualquer informação sobre quaisquer obras, despesas ou convênios firmados este ano.

Para dificultar ainda mais qualquer fiscalização, 76% do dinheiro recebido pela prefeitura de São Luiz foi enviado pelo Congresso usando as “emendas Pix”.

Quem mais mandou dinheiro para São Luiz no período foi o ex-senador Telmário Mota (Solidariedade-RR), preso desde outubro passado sob a suspeita de ser o mandante do assassinato de sua ex-mulher. Ao longo dos quatro anos, ele mandou R$ 26,8 mihões para a prefeitura. A reportagem do Estadão procurou a prefeitura de São Luiz, mas não houve resposta.

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Ao bloquear o pagamento das emendas parlamentares na quarta-feira, 14, Dino atendeu a uma ação apresentada pelo PSOL. A decisão atingiu as emendas individuais e as emendas das bancadas estaduais. Com isso, travou a execução de todas as emendas parlamentares: as de comissão já estavam bloqueadas desde a primeira decisão do ministro, no começo do mês. Nesta quinta, 15, Câmara, Senado e mais 11 partidos apresentaram ao STF um pedido para que libere a execução das emendas individuais e de bancada.

O tema começará a ser julgado pelos onze ministros do STF nesta sexta-feira, 16, por meio do chamado Plenário Virtual. Nessa modalidade, os ministros depositam seus votos por escrito em uma página no site do STF, sem debate ao vivo. A sessão vai até as 23h59. Estão em julgamento duas decisões de Dino determinando medidas de transparência para as emendas Pix e a desta quarta, que suspendeu as emendas impositivas. A decisão do dia 1º de agosto sobre as emendas de comissão e sobre o antigo orçamento secreto não está em questão.

A auditoria foi pedida por Dino após uma audiência de conciliação entre representantes do governo, do Congresso e do Ministério Público, além de ONGs que trabalham no tema da transparência pública, no começo deste mês. A reunião tinha por objetivo dar cumprimento à decisão de 2022 do STF que declarou inconstitucional o orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão. Na decisão, Dino determinou à CGU que levante dados sobre as dez cidades “mais beneficiados por emendas parlamentares/nº. de habitantes, nos anos de 2020 a 2023 (ano a ano)”. A controladoria deveria buscar por informações como o andamento das obras feitas com a verba e os mecanismos de “rastreabilidade, comparabilidade e publicidade” adotados pelas prefeituras.

Nesses 4 anos mencionados por Dino, trinta municípios encabeçam os rankings de maiores recebedores per capita de emendas, de todos os tipos (comissão, relator, individual e bancada). O número não chega a 40 porque alguns dos municípios se repetem ao longo dos anos. São Luiz, por exemplo, lidera a lista nos anos de 2020, 2021 e 2023. Os municípios estão distribuídos por 12 Estados, mas Amapá, Roraima e Tocantins são os mais presentes. O Estado de Alagoas, do presidente da Câmara Arthur Lira (PP), não tem nenhum representante no grupo, embora a capital Maceió tenha sido a sexta prefeitura que mais recebeu emendas em todo o País no período (R$ 327,7 milhões).

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As 30 cidades a serem auditadas são o lar de 182.617 brasileiros, segundo o último Censo. De 2020 a 2023, as prefeituras receberam R$ 1,09 bilhão em emendas – inclusive R$ 258,7 milhões em emendas de relator, base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão. É como se cada morador tivesse ganho quase R$ 6 mil. Dentro do conjunto há grandes disparidades. Os R$ 14,8 mil por habitante de São Luiz são mais que o dobro do valor per capita da última colocada no “top 10″, Mucajaí (RR), onde cada morador recebeu o equivalente a R$ 6,2 mil. Mesmo assim, é muito mais que a lanterna do ranking nacional, Santana de Parnaíba (SP), com só R$ 16,76 por habitante.

Pelo menos 142 políticos mandaram emendas para estes 30 municípios. A gama é eclética e abrange gente com e sem mandato, de diversos partidos e Estados, além de comissões e bancadas estaduais. Na lista figuram políticos de destaque, como o ministro do TCU e ex-deputado Jhonatan de Jesus (R$ 46 mihões); o pai dele, o senador Mecias de Jesus, atual líder do Republicanos no Senado (R$ 24,7 milhões); o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (R$ 29,7 milhões); e o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (R$ 24,4 mi), entre outros.

“A maior prioridade do meu mandato é trabalhar para levar desenvolvimento aos 16 municípios amapaenses. Eu seguirei trabalhando para assegurar cada vez mais investimentos e benefícios sociais e econômicos para o meu estado, pois nos rincões da Amazônia vivem brasileiros que também necessitam de infraestrutura, saúde e educação”, disse Davi Alcolumbre ao Estadão, em nota.

“Uma das atribuições de um senador é buscar recursos para o seu estado. Infelizmente, os Estados da região Norte, como Roraima, estão entre (...) os menores IDHs do país. Uma forma de corrigir essa deficiência é o aumento no volume de investimentos nas cidades do Estado, sobretudo no interior”, disse o senador Mecias de Jesus, por meio de nota. “É importante destacar que o senador apenas destina os recursos. A aplicação e a licitação são realizadas pelos municípios, e a fiscalização é de competência do Tribunal de Contas da União (TCU), dos Tribunais de Contas Estaduais (TCE) e da Controladoria Geral da União (CGU)”, diz o texto. O ministro Carlos Fávaro também foi procurado, mas não respondeu.

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A prefeitura de São Luiz (RR): município recebeu mais de R$ 100 milhões, mas é impossível encontrar informações básicas sobre contratos e licitações Foto: Google Streetview / reprodução

A lista inclui ainda Telmário Mota (R$ 42,1 milhões) e o senador Chico Rodrigues (PSB-RR), com R$ 26,9 milhões enviados. Rodrigues ficou conhecido nacionalmente em outubro de 2020, quando foi flagrado por agentes da Polícia Federal com R$ 33 mil em dinheiro vivo escondido na cueca. O senador sempre negou irregularidades no caso. Procurado pela reportagem, não respondeu. O Estadão não conseguiu contatar Telmário Mota.

O único ano em que São Luiz (RR) não liderou o ranking foi em 2022. Na ocasião, a prefeitura que mais recebeu emendas por habitante foi a pequena Lavandeira (TO), lugarejo de apenas 1.626 moradores, localizada a meio caminho entre Brasília (DF) e a capital de Tocantins, Palmas. A cidade recebeu R$ 3,1 milhões em emendas.

A prefeitura de Tartarugalzinho (AP), cidade de 12,9 mil habitantes a três horas de carro da capital Macapá, recebeu R$ 100,4 milhões em emendas de 2020 a 2023, e o dinheiro rendeu frutos. No começo de julho, a prefeitura inaugurou o novo Estádio Municipal Nelson da Costa, com direito a apresentação de escola de samba e “feijoada e churrasco liberados”. Conhecida localmente como “o pisadeiro”, a arena teve a presença do ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, além dos senadores Davi Alcolumbre e Randolfe Rodrigues (PT-AP), entre outras autoridades.

“Os recursos públicos, provenientes das emendas parlamentares, em grande parte, estão sendo distribuídos politicamente, sem transparência e rastreabilidade, com base em interesses pessoais e partidários, privilegiando uns em detrimento de outros, sem critérios técnicos e parâmetros sócio econômicos, distorcendo as políticas públicas, em um claro desvio do princípio federativo”, diz o economista Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas. A entidade foi uma das que pediu ao STF, na condição de amiga da Corte, que reabrisse o caso sobre o Orçamento Secreto.

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O levantamento desta reportagem usou as ordens bancárias (pagamentos) feitos às prefeituras e fundos municipais de saúde advindos de emendas de todos os tipos de 2020 a 2023, incluindo restos a pagar quitados nestes anos. O montante, R$ 73,2 bilhões, corresponde a dois terços (66%) de todas as emendas pagas pela União neste período (R$ 110,9 bilhões). O restante foi pago a governos estaduais (16,1%); empresas privadas (8,8%); ONGs (4,2%); e outros (4,4%).

Disputa acirrada pelo Orçamento

Nas últimas semanas, tanto Flávio Dino quanto outros atores têm se movimentado para restringir o poder do Congresso sobre o orçamento, exercido por meio das emendas parlamentares – o Legislativo, por sua vez, reage e ameaça retaliar o governo Lula (PT).

Além de determinar medidas para acabar com a prática do orçamento secreto, Dino também decidiu favoravelmente no começo do mês a uma ação apresentada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), com determinações que buscam dar transparência às “emendas Pix”. No mesmo despacho, suspendeu o pagamento dessas emendas até que as medidas de transparência sejam efetivadas. Na quinta-feira, 8, atendendo a um pedido do procurador-geral da República, Paulo Gonet, Dino manteve a suspensão, mas liberou as transferências para obras já em andamento.

“Não pode haver um mecanismo de transferências de recursos tão vultosos como as ‘emendas Pix’ sem controle, transparência e governança previamente estabelecidos que permitam uma melhor fiscalização”, diz a pesquisadora Gabriella da Costa, da ONG Transparência Internacional.

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Na terça, 6, uma comissão técnica formada por representantes do Executivo, do Congresso e do Ministério Público se reuniu e criou um cronograma com ações para dar transparência às verbas do orçamento secreto e das emendas de Comissão – inicialmente, a ideia é de que um painel com as informações esteja no ar até março do ano que vem. No dia seguinte, quarta-feira, congressistas insatisfeitos com as decisões de Dino ameaçaram retaliar o governo durante a votação do Orçamento de 2025.

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