Estados podem limitar vagas para mulheres em concursos de PMs e bombeiros? STF vai bater o martelo

PGR questiona leis estaduais que limitam vagas para mulheres na PM e no Corpo de Bombeiros; Supremo vai analisar pelo menos três ações do tipo em fevereiro

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Foto do author Juliano  Galisi
Atualização:

A participação feminina em concursos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros estará na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) assim que a Corte retomar os trabalhos, por ora interrompidos pelo recesso do Judiciário. Três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) sobre o tema estão previstas para o plenário virtual entre os dias 2 e 9 de fevereiro. Protocoladas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), as ações questionam leis e editais de provas que limitam o número de vagas para mulheres nas corporações do Maranhão, do Ceará e do Amazonas.

Esse tipo de ação é uma consulta ao STF para avaliação se determinada legislação fere um princípio garantido pela Constituição. A PGR, no caso, opina que não há amparo legal para limitar a participação feminina nas corporações – o que, pelo contrário, infringiria o princípio constitucional da isonomia, ou seja, de que todos são iguais perante a lei. Às ADIs 7489 (Maranhão), 7491 (Ceará) e 7492 (Amazonas), somam-se outras 14 ações semelhantes protocoladas pelo Ministério Público Federal sobre leis de diferentes Estados brasileiros.

STF está prestes a julgar limitantes para vagas de mulheres em concursos da Polícia Militar Foto: Wilton Junior/Estadão

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O julgamento do STF ocorre na esteira da sanção com vetos à Lei Orgânica das PMs. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a matéria, mas vetou alguns dispositivos do texto aprovado no Congresso Nacional – entre eles, havia um trecho que versava sobre a presença feminina na Polícia Militar. Na penumbra de um respaldo por meio do Legislativo, o entendimento quanto ao tema, agora, fica na alçada do Judiciário.

Alguns ministros do Supremo já foram acionados sobre a paridade de gênero em concursos e indicam a tendência pela qual podem seguir no julgamento. Em novembro de 2023, Cristiano Zanin autorizou a realização de um concurso para a PM do Rio de Janeiro, então suspenso, desde que removidas as cotas por gênero. O ministro já havia suspendido uma prova no Distrito Federal pelo mesmo motivo e, em dezembro, versou da mesma forma quanto a um certame em Mato Grosso.

Cristiano Zanin é relator de duas ADIs sobre paridade de gênero previstas para o plenário virtual em fevereiro Foto: Gustavo Moreno

Zanin é relator das ADIs 7489 e 7492; o ministro Alexandre de Moraes, da ADI 7491. Moraes, inclusive, agiu no âmbito dessa ação em dezembro de 2023, quando suspendeu, por meio de liminar, a realização de provas para soldado e 2º tenente da PM do Ceará. Por ora, a prova cearense aguarda retificação do edital, que não deve mais conter a discriminação das vagas pelo sexo dos candidatos.

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A ministra Cármen Lúcia também conferiu uma liminar pelo descumprimento da paridade de gênero. Na semana passada, a ministra suspendeu a divulgação e a homologação dos resultados de dois concursos para a PM de Santa Catarina. Dias Toffoli também já decidiu sobre o tema e, em novembro do ano passado, suspendeu um concurso na PM do Pará que limitava o ingresso de mulheres a 20%.

Lei Orgânica mirou piso, mas criou teto

O debate sobre o tema no plenário do Supremo ganha importância diante da sanção com vetos à Lei Orgânica das PMs. Entre os vetos, havia um dispositivo que versava, justamente, sobre a presença feminina nos concursos para as corporações.

”É assegurado, no mínimo, o preenchimento de 20% das vagas nos concursos públicos por candidatas do sexo feminino”, dizia o artigo 15, inciso 6, do projeto aprovado pelo Congresso Nacional. A despeito da “boa intenção do legislador”, como diz o veto presidencial, o trecho continha uma margem de interpretação dúbia. “Na área de saúde, as candidatas, além do porcentual mínimo, concorrem à totalidade das vagas”, seguia o texto aprovado pelos parlamentares.

A confusão é semântica: a concorrência “além” do porcentual mínimo na área da saúde dá a entender que, nos demais setores, as candidatas não seriam elegíveis à ampla concorrência. A questão para a qual o Supremo foi acionado persistiria, com o agravante de passar a ter respaldo legal.

Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, a intenção do legislador pode até ter sido afirmativa, mas o trecho é cristalino em amparar, justamente, um efeito contrário ao esperado. “Há uma tentativa de incluir as mulheres, mas a forma como está redigido configura um teto”, explicou Carolina. “O mínimo garantido, na verdade, é o limite porcentual ao qual as candidatas poderiam concorrer.”

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O que muda com o julgamento

O efeito imediato do julgamento seria consolidar o entendimento jurídico quanto ao tema. Com a procedência das ADIs, editais que contenham restrições baseadas no critério de gênero deverão ser retificados. Segundo Fransérgio Goulart, do GT de Defesa da Cidadania, ligado ao Ministério Público Federal, o julgamento do próximo mês tende a “manter os posicionamentos anteriores” da Corte. “O STF vai bater o martelo”, afirmou Goulart.

Não se trata, porém, de mera formalidade. Por mais que as ADIs não clamem por cotas nos concursos, a garantia da paridade de gênero, segundo Goulart, poderia ser o primeiro passo para novas reivindicações. “Havendo uma sinalização positiva, o movimento social de mulheres pode produzir políticas para viabilizar cotas afirmativas”, disse.

O Judiciário, por ora, está em recesso. Durante esse período, os ministros do STF se revezam em um plantão para questões urgentes e cada integrante da Corte pode despachar nos processos em que é relator, o chamado “acervo”, tal como conferir medidas em caráter liminar.

É por isso que Cármen Lúcia, relatora da ADI 7481, suspendeu a homologação dos concursos em Santa Catarina mesmo durante o recesso. A decisão da ministra, no entanto, precisa ser confirmada pelo plenário.