Ao menos 28 servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) tiveram movimentações atípicas em suas contas com o mesmo padrão das realizadas por Fabrício Queiroz, ex-funcionário do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), eles movimentaram valores acima de sua capacidade financeira, receberam depósitos de outros servidores da Casa e, em 13 dos casos, em datas próximas do dia de pagamento da Alerj.
A Polícia Federal suspeita da existência de um esquema de nomeação de funcionários fantasmas e posterior devolução de parte dos salários para deputados e servidores.
O relatório do Coaf, revelado pelo Estado em dezembro, foi enviado ao Ministério Público Federal do Rio no âmbito da Operação Furna da Onça, que em novembro do ano passado prendeu dez deputados estaduais suspeitos de receberem propina. Ao todo, 75 servidores são citados no documento, mas nem todos seguem o mesmo padrão de movimentação financeira. Queiroz e Flávio Bolsonaro não foram alvo da operação.
Segundo o Coaf, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta no período de 13 meses, incluindo depósitos de nove funcionários ou ex-funcionários do gabinete de Flávio. Conforme o Estado mostrou, mais da metade destes depósitos foram recebidos no dia do pagamento da Alerj ou até três dias úteis depois.
Um dos servidores que aparecem na lista com o mesmo padrão de transações de Queiroz é Jorge Luis de Oliveira Fernandes, lotado no setor de pagamentos da Alerj. Fernandes teve telefonemas interceptados pela PF em que trata de depósitos na conta de um funcionário de nome “Lerri”. Em uma das gravações, “Lerri” diz que ligou para Fernandes para “dar uma satisfação”, pois “bateu” R$ 4 mil em sua conta e o dinheiro não é seu. Fernandez foi um dos presos na Operação Furna da Onça.
O maior valor movimentado, segundo o Coaf, é da servidora Letícia Domingos de Assis. De acordo com o relatório, foram R$ 9,2 milhões entre 2011 e 2017. As transações foram classificadas como atípicas por serem incompatíveis com o patrimônio e a atividade exercida (não há informação sobre sua função na Alerj). Ela recebeu de ao menos outros dois funcionários da Alerj e repassou valores para outros nove servidores do Legislativo.
Outro caso que segue o mesmo padrão é o de André Santolia da Silva Costa, que estava lotado no gabinete do deputado Márcio Pacheco (PSC-RJ). Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, Costa movimentou R$ 1,7 milhão em sua conta. Parte do valor se deu a partir de transferências efetuadas por ao menos nove outros funcionários da Alerj.
Dos R$ 52,9 mil em depósitos em espécie recebidos por Costa, ao menos cinco foram no dia de pagamento na Alerj.
A inclusão de Costa no relatório, diz o Coaf, “teria sido motivada pelo fluxo financeiro muito acima da renda” e porque a maior parte do valores recebidos era proveniente de outros funcionários públicos. Uma servidora transferiu mensalmente para a conta do assessor legislativo cerca de 70% do salário recebido da Alerj, diz o relatório.
Outro exemplo é de Eduardo Augusto Dudenhoeffer Botelho, lotado no gabinete do deputado Eliomar Coelho (PSOL-RJ) e, segundo o Coaf, com movimentação de R$1,4 milhão no mesmo período. Além da movimentação acima de sua renda, ele recebeu de ao menos outros sete funcionários da Alerj.
Já o servidor Marcos Eurico Dias Neves, lotado no gabinete do deputado Marcos Muller (PHS-RJ), movimentou R$ 1,7 milhão em sua conta. Ele recebeu depósitos de mais de 20 outros funcionários da Alerj.
Os 28 servidores com o mesmo padrão de movimentação financeira de Queiroz são lotados em gabinetes de 15 deputados, além de áreas administrativas da Alerj. Quatro destes deputados foram presos na Furna da Onça. Procurados, os servidores que responderam negam irregularidades.
À revelia. Nesta segunda-feira, 14, o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, disse que pode encerrar a investigação sobre as movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz ou propor ação penal sem que ele e Flávio Bolsonaro prestem depoimento. Com diferentes alegações, os dois faltaram a convites para depor no procedimento do Ministério Público fluminense que investiga o caso. Queiroz alegou estar em tratamento de câncer, e o parlamentar, que não conhecia os autos da investigação. Para Gussem, a ausência dos dois não atrapalha as apurações. Ele afirmou ainda que, no caso do relatório do Coaf, a prova documental “é muito consistente”. A investigação corre sob sigilo.
A defesa de Queiroz disse que ele irá “depor tão logo seja autorizado pelos médicos”. O advogado de Flávio afirmou que ele não iria se manifestar.
Funcionários negam ter cometido irregularidades
Servidores citados no relatório do Coaf e alguns gabinetes onde estão lotados não foram localizados pela reportagem. Dos que responderam ao pedido de entrevista, todos negam irregularidades.
A assessoria de Márcio Pacheco (PSC) disse que o deputado recebeu “com estranheza” as informações do relatório do Coaf, e que não existe “um único depósito em sua conta bancária ou de parentes”. No gabinete estava lotado André Santolia da Silva Costa, que não foi encontrado. “A responsabilidade da movimentação é de cada assessor, que deverá se justificar”, afirmou o gabinete de Pacheco.
O gabinete do deputado Eliomar Coelho (PSOL) respondeu que entrou em contato com o MP para agendar uma data para o parlamentar depor. “O próprio Coaf teve o cuidado de alertar não se tratar necessariamente de algo irregular”, diz. Estava lotado no gabinete de Coelho o funcionário Eduardo Augusto Dudenhoeffer Botelho.
O deputado Pedro Augusto (PSD), por meio de sua assessoria de imprensa, disse que não tem nada a declarar, “pois não é investigado”. Já o advogado Jose Alfredo Lion, que atua na defesa do funcionário do deputado, Sandro Rosário Soares de Sena, afirmou que ainda não conhece o conteúdo dos autos e, por isso, não se pronunciará.
A assessoria do deputado Carlos Minc (PSB) respondeu que os assessores do parlamentar citados no relatório do Coaf mostraram sua movimentação e o Imposto de Renda e que tudo está “declarado e justificado”.
André Ceciliano, presidente em exercício da Alerj, respondeu que solicitou informações às funcionárias de seu gabinete e encaminhou as explicações prestadas ao Ministério Público, por meio de ofício. Ele esteve voluntariamente no MP para depor sobre o caso.
Paulo Ramos (PDT) se disse favorável à investigação e afirmou que ele e dois dos três funcionários de seu gabinete já foram depor no Ministério Público. “Não tenho controle de todos os atos praticados por funcionários de meu gabinete, mas em relação aos atos praticados em seus trabalhos em meu mandato não tenho preocupação”, disse.
O deputado Waldeck Carneiro (PDT) afirmou que tomou conhecimento pela imprensa das informações do relatório Coaf e que pediu ao seu servidor citado esclarecimentos, por ofício, com peças comprobatórias e que este foi encaminhado ao Ministério Público.
Já a assessoria de imprensa da Alerj informou que não irá se pronunciar sobre os funcionários da Casa citados no relatório. “Cada servidor deve responder individualmente sobre as movimentações junto aos órgãos competentes”, disse, por meio de nota.
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