Pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) é alvo de duas ações na Justiça Eleitoral, apresentadas por seus adversários, por “divulgação de pesquisa fraudulenta” em rede social. A deputada federal Tabata Amaral (PSB) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) sustentam que o parlamentar manipulou os resultados de uma pesquisa de intenção de voto divulgada pelo instituto RealTime Big Data na segunda-feira, 4.
Em duas decisões liminares no fim da tarde desta quarta-feira, 6, a Justiça Eleitoral concordou com as acusações e determinou que Boulos apagasse a publicação.
Segundo a denúncia protocolada pelo MDB, Boulos exibiu um “resultado de pesquisa eleitoral que não foi apurado pelo instituto que a realizou”. Dessa forma, o deputado estaria “forjando desempenho diferente das reais intenções de votos”. A ação apresentada por Tabata sustenta que, além da ausência do nome da pré-candidata do PSB na montagem divulgada, elementos que devem constar na divulgação de pesquisas não estão presentes na publicação, tais como o índice de confiabilidade e o número de registro do levantamento. A Justiça acatou o argumento.
Entenda os erros na publicação de Boulos
Após a divulgação da pesquisa eleitoral do RealTime Big Data, o pré-candidato do PSOL publicou no Instagram uma montagem com a manchete “Boulos lidera com 34% contra qualquer adversário!”. A ilustração exibia um gráfico de barras com Boulos na liderança, seguido por Nunes, com 29%, Ricardo Salles (PL-SP), com 12%, Marcos Pontes (PL-SP), com 11%, e Padre Kelmon (PRD) com 1%. Os números foram compilados de três cenários diferentes apresentados aos entrevistados pelo instituto.
A diferença de tamanho entre as barras de Boulos e Nunes estava fora de proporção: cinco pontos percentuais separam os índices de intenção de votos dos pré-candidatos. Como a margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais, os dois estão tecnicamente empatados. No gráfico publicado pela equipe do pré-candidato do PSOL, porém, a barra que representava o índice de Boulos estava muito maior que a de Nunes, causando a impressão de que a diferença nos percentuais era maior do que aquela que foi, de fato, auferida pelo instituto de pesquisa.
Além da imprecisão gráfica, Tabata Amaral, a terceira colocada no principal cenário de pesquisa estimulada, questionou a exclusão do seu nome na montagem apresentada na publicação. “Ele simplesmente retirou meu nome”, reagiu Tabata em publicação no Instagram. “Eu pergunto para vocês: o que é isso? É estatística criativa? É erro, alguém não tinha noção do que estava fazendo? Ou é safadeza mesmo?”, disse.
Em publicação ‘retificada’, erro persistiu
Após a repercussão do caso, o perfil de Guilherme Boulos apagou a publicação original e retificou a imagem. Em vez de dizer que o pré-candidato venceria “qualquer adversário”, a chamada passou a afirmar que Boulos liderava “contra qualquer bolsonarista”. Além da mudança no texto, o nome de Padre Kelmon foi removido da comparação.
A chamada, citando os aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), supostamente justificaria a exclusão do nome de Tabata, já que a pré-candidata do PSB não se identifica com o bolsonarismo. No entanto, do ponto de vista estatístico, a nova publicação conservou a imprecisão. O gráfico continuou considerando três cenários diferentes de pesquisa estimulada.
O RealTime Big Data realizou 2.000 entrevistas para a pesquisa e, para cada entrevistado, três cenários foram apresentados. A sete meses da eleição, os pré-candidatos cotados para o pleito podem mudar em relação aos nomes que, de fato, estarão nas urnas em outubro. Por isso, é praxe que institutos de pesquisa elenquem “cenários” distintos para os entrevistados, de forma a estudar diferentes possibilidades para o pleito.
Ao elencar os nomes de Nunes, Salles e Marcos Pontes de modo concomitante, o time do pré-candidato do PSOL misturou nomes e dados relativos a cenários distintos, o que não é possível em termos estatísticos. De acordo com a lei, Boulos não poderia ter divulgado um levantamento sem reproduzir o cenário exato apresentado pelo pesquisador, segundo especialistas consultados pelo Estadão.
O que diz a lei
São duas as normas que regem a divulgação de pesquisas de intenção de voto no País: a Lei das Eleições (9.504/1997) e a Resolução 23.600/2019, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As regulações passam a valer a partir do dia 1º de janeiro de ano eleitoral, sendo vigentes, portanto, também no período de pré-campanha.
Segundo Alberto Rollo, advogado especialista em Direito Eleitoral, Tabata Amaral fez parte do levantamento do RealTime Big Data e não poderia deixar de ser mencionada na divulgação da pesquisa. “A pesquisa é considerada pela Justiça Eleitoral como uma ferramenta de tomada de decisão. Não pode ser divulgada do jeito que se quer ou pela metade”, afirmou.
Alberto Rollo pondera que a lei não faz nenhuma menção ao tamanho permitido para um gráfico, ou seja, não há critério objetivo para determinar se o desenho das barras entre Boulos e Nunes está fora de proporção. Porém, segundo o advogado, “a lei fala que a divulgação do resultado deve ser correta e coerente”, cabendo uma interpretação da Justiça para decidir se o desenho pode induzir o eleitor ao erro.
A multa para os casos de “pesquisa fraudulenta” é a mais dura da legislação eleitoral, variando entre R$ 53 mil e R$ 106 mil, mas não foi aplicada a Boulos. A decisão judicial foi tomada de forma liminar no âmbito da 1ª Zona da Justiça Eleitoral de São Paulo. Em caso de recurso do pré-candidato do PSOL, pode ser levada ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). Os casos na Justiça Eleitoral tendem a tramitar de forma mais célere e, segundo Rollo, o que for decidido para o caso em questão será estabelecido como precedente para o período eleitoral.
O que diz Guilherme Boulos
Procurada pelo Estadão, a equipe da pré-campanha de Guilherme Boulos afirmou, em nota, que “Nunes está tentando criar uma cortina de fumaça e desviar a atenção” diante de denúncia revelada pelo UOL de indícios de conluio em contratos para obras emergenciais da Prefeitura.
Quanto às reclamações de Tabata, Boulos reiterou em entrevista à Jovem Pan na terça-feira, 5, o “respeito” que tem pela atuação da deputada no Congresso e que, por isso, não entraria em “bate-boca de internet”. “É desnecessário. O respeito que eu tenho pela atuação e pela trajetória dela não me permite entrar em um bate-boca desta natureza”, disse Boulos.
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