O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), autorizou o repasse de R$ 109 milhões das chamadas “emendas Pix”. O mecanismo incluído no orçamento por deputados estaduais abastece os cofres de prefeituras paulistas sem necessidade de compromisso prévio de como a verba será aplicada. Os valores compõem as emendas impositivas – ou seja, são de execução obrigatória – e irrigam as bases eleitorais de parlamentares.
Cabe ao secretário de Governo e Relações Institucionais, Gilberto Kassab, a análise e liberação das emendas Pix, chamadas formalmente de transferências especiais. O poder sobre os recursos foi transferido ao dirigente do PSD por Tarcísio em decreto de janeiro. O governador também delegou a articulação política com a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) a Kassab.
A verba foi solicitada na legislatura passada e, em razão de reeleição, atende hoje, em sua maioria, deputados que engrossam a base de Tarcísio. Os recursos são enviados pelos deputados com base em critério político, sem obrigação de seguir qualquer estudo técnico sobre quais as necessidades das cidades ou observação das políticas públicas do Estado.
Dos 58 parlamentares que incluíram emendas Pix no orçamento de 2023, 36 obtiveram um novo mandato. Dentre eles, há 19 deputados em partidos aliados ao governo e quatro da federação PSDB-Cidadania, que se declaram independentes mas têm apoiado Tarcísio. Na prática, R$ 46,4 milhões serão repassados por indicação de deputados em exercício que votam mais alinhados ao governador, e R$ 16 milhões ficarão nas mãos da oposição.
Como revelou o Estadão, o modelo que contorna a transparência dos repasses orçamentários foi promulgado em São Paulo em 2021, ao seguir o mesmo desenho dado pelo Congresso. Já em dezembro de 2022, a Alesp ampliou em 50% a verba destinada à totalidade de emendas impositivas, com aval de Tarcísio, o que elevou o total repassado a quase R$ 1 bilhão.
Com isso, cada parlamentar passou a ter controle sobre a indicação de R$ 10,5 milhões. Metade dos recursos deve ser alocada em saúde. O restante pode ser distribuído em obras ou serviços previamente indicados de outras áreas, nos mesmos moldes das emendas para a saúde, ou requisitado via transferência especial. Essa mudança permitiu repasses de até R$ 5,2 milhões em emendas Pix por deputado.
Controle
Pelo modelo, a única obrigação do município é aplicar ao menos 70% do dinheiro em despesas de capital, como compra de equipamentos e obras públicas, enquanto 30% podem ser destinados a custeio. Embora não possa usar o dinheiro com folha de pagamento, a prefeitura não precisa informar previamente como vai gastar a verba ou celebrar um convênio, o que dificulta a fiscalização, segundo entidades de transparência.
O montante milionário previsto para emendas Pix em 2023, segundo cálculos da Alesp, chegará a 173 municípios. Ao Estadão, a Casa citou os dispositivos legais que regulamentam a execução das transferências especiais e afirmou que a responsabilidade pela liberação é do Executivo. A liquidação dos valores, porém, ainda depende de prazos regimentais e pode ocorrer apenas no segundo semestre, se houver necessidade de ajustes.
Todas as transferências especiais que fazem parte das emendas impositivas já foram autorizadas. O recebimento dos recursos depende da instrução processual pelas respectivas prefeituras beneficiadas
Governo de São Paulo
O governo Tarcísio afirma, em nota, que os repasses seguem critérios de transparência. “Todas as transferências especiais que fazem parte das emendas impositivas já foram autorizadas. O recebimento dos recursos depende da instrução processual pelas respectivas prefeituras beneficiadas”, diz. “A prestação de contas é feita pelos municípios ao Tribunal de Contas do Estado”, diz o governo.
O manual de processamento das emendas impositivas de São Paulo ainda diz que, “quando solicitado pelo Estado”, os municípios deverão oferecer informações sobre a execução das verbas. Em nota, o TCE afirma acompanhar a aplicação, destinação e execução dos recursos. “Se há alguma inconsistência ou falha de execução, será analisada nos processos de contas anuais – tanto do Estado quanto dos municípios”, diz.
Base eleitoral
Dos deputados estaduais reeleitos, Jorge Caruso (MDB) e Dirceu Dalben (Cidadania) indicaram R$ 5 milhões e R$ 4,9 em emendas Pix, respectivamente. Caruso está no sétimo mandato na Alesp e distribuiu os recursos para 20 municípios. Procurado, o parlamentar não se manifestou.
Dalben focou em sua base eleitoral, que compreende Sumaré, Região Metropolitana de Campinas e São José do Rio Preto. Os valores indicados por ele serão repassados a cinco prefeituras da região: Campinas, Hortolândia, Miguelópolis, Sumaré e Tanabi. Ao Estadão, o deputado afirma que a escolha por emendas Pix foram feitas de forma “transparente e seguindo sempre a legislação”. Segundo ele, o repasse é para “suprir demandas específicas de cada município” sob fiscalização do TCE.
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Quinto deputado a mais passar emendas Pix, Marcos Damásio (PL) vai transferir verbas a três municípios de redutos eleitorais – Americana, Biritiba Mirim e Salesópolis, juntas, vão receber R$ 4,2 milhões. Outros R$ 300 mil indicados por Damásio vão para cidades de outras regiões, como São José do Barreiro e Cordeirópolis. As emendas do parlamentar ajudaram a colocar Biritiba Mirim e Salesópolis no ranking dos dez municípios mais beneficiados. O deputado não respondeu ao contato da reportagem.
Com 17,3 mil habitantes, Salesópolis recebeu R$ 2 milhões de emenda Pix do deputado. Mesmo valor foi para Biritiba Mirim, onde foi o segundo mais votado, com 33,2 mil habitantes. Os prefeitos dos dois municípios são do PL, mesmo partido de Damásio.
Outro parlamentar reeleito que indicou valores para a base eleitoral é Daniel Soares (União Brasil). Ex-vereador de Guarulhos, o parlamentar vai repassar R$ 500 mil ao município e outros R$ 3,5 milhões a Carapicuíba – cidade mais beneficiada pelas emendas Pix. “Os recursos destinados a Guarulhos serão usados para compra de equipamentos para a Subsecretaria de Acessibilidade e Inclusão – SAI, em razão da comprovação da extrema necessidade dentro da referida subsecretaria, e trará inúmeros benefícios às pessoas com deficiência”, diz o deputado.
Entre os recordistas de repasses em emendas Pix, estão os ex-deputados Marcos Zerbini (PSDB), com R$ 5,2 milhões, e Damaris Moura (PSDB), que indicou R$ 5 milhões. Os dois deixaram a Alesp neste ano após derrota nas urnas.
Transparência e articulação
As emendas Pix são questionadas por entidades de transparência em razão da autonomia dada às prefeituras no gasto dos recursos. Para a superintendente da Fundação Tide Setúbal, a economista Mariana Almeida, o aumento do percentual do total de emendas impositivas em São Paulo já acende um sinal de alerta nas contas públicas. “Quando R$ 1 bilhão vai para emendas, você passa uma parte importante do planejamento de ações para o Legislativo”, afirma.
“Cada deputado escolhe a prefeitura para a qual pretende repassar os recursos. Não há critério de equidade”, diz. “A regra é diferenciada porque o Executivo é avaliado em relação aos critérios de transparência de recursos, enquanto o Legislativo municipal não passa por um crivo de equidade por parte de um tribunal de contas próprio.”
Na Alesp, o deputado Carlos Giannazi (PSOL) chegou a tentar abrir uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o repasse destas e outras emendas do Executivo. No entanto, ele não conseguiu o mínimo de assinaturas suficiente. Apesar da liberação das emendas Pix e de barrarem investigação sobre o uso dos recursos, deputados da base de Tarcísio ouvidos pelo Estadão esperam por mais contrapartidas do governo para fortalecer a base.
Cada deputado escolhe a prefeitura para a qual pretende repassar os recursos. Não há critério de equidade
Mariana Almeida, superintendente da Fundação Tide Setúbal
Um dos pedidos é a liberação das transferências extras, que não constam no pacote de emendas impositivas e podem ser realizadas voluntariamente pelo Estado. Parlamentares também dizem que, apesar da presença de Kassab no governo, o Executivo abriu pouco espaço para diálogo.
A desarticulação com os deputados da base ficou escancarada na tentativa de aprovar os dois principais projetos enviados pelo Palácio dos Bandeirantes à Alesp: o aumento do salário mínimo e o reajuste a policiais militares e civis. Enquanto o aumento do mínimo dependeu de um acordo com o PT para ser aprovado, o reajuste do salário-base dos agentes de segurança precisou de idas e vindas com a base até ser acatado.
Municípios
Os dez municípios que mais vão receber emendas Pix foram questionados pelo Estadão sobre sua execução. Todos defenderam que prestarão contas dos gastos. A recordista Carapicuíba diz que o município tem um dos menores orçamentos por habitante do estado e que vai investir na construção da Companhia da Polícia Militar, entre outras áreas de infraestrutura.
Campinas afirma, em nota, que a sua prestação de contas será feita ao governo estadual e ao parlamentar que indicou a emenda. “Na prefeitura de Campinas existe um controle desses recursos para sua utilização ocorrer conforme previsto”, diz. Suzano defende que a destinação dos recursos ainda está sendo definida e que será “realizada a devida licitação” para a execução.
São Bernardo do Campo diz, em nota, que vai investir os R$ 3,2 milhões recebidos na implementação do Campo Paulicéia e na reforma de oito Areninhas de Esporte. A Prefeitura de São Paulo argumenta que publica o processo de recebimento e execução de emendas no site da Casa Civil, de forma “transparente e acessível”. Os outros municípios não se manifestaram.
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