Tarcísio prepara pagamento de R$ 500 milhões de bônus para policiais em meio a disputa na segurança

Polícia Civil reage à intenção do governo de permitir que PM faça investigações em crimes de menor poder ofensivo e governador enfrenta resistência de sua base na Assembleia; secretaria diz que policiais e servidores que atuarem diretamente nos alcance dos melhores resultados poderão receber até 180 UBVs (R$ 21,7 mil)

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Foto do author Pedro Augusto Figueiredo
Atualização:

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), prepara o pagamento de R$ 500 milhões em bônus para os policiais relativo a 2023 até julho. O dinheiro será distribuído aos integrantes das carreiras policiais de acordo com a redução dos índices de criminalidade e com o aumento da produtividade dos policiais.

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A informação foi repassada pelo secretário da Segurança, Guilherme Derrite, aos integrantes da chamada bancada da segurança pública na Assembleia Legislativa (Alesp), entre os quais os deputados estaduais Major Mecca (PL) e Delegado Olim (PP). O pagamento do bônus de 2023 deve ser feito de uma só vez.

A Secretaria de Segurança Pública informou que estuda os critérios de medição para pagar o bônus e que o teto será de 120 Unidades Básicas de Valor (UBV), mas que os policiais e servidores que atuarem diretamente nos alcance dos melhores resultados poderão receber até 180 UBVs, o equivalente a R$ 21,7 mil. Cada UBV corresponde a R$ 120,68 (veja nota abaixo).

A decisão de pagar o bônus acontece ao mesmo tempo em que o governador Tarcísio tem indicado sua disposição de não conceder reajustes salariais ao funcionalismo público neste ano. Seu anúncio ocorre ainda em um momento de crise na segurança pública, com medidas adotadas por Derrite sendo contestadas dentro tanto da PM quanto da Polícia Civil.

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Tarcísio inaugura sede de companhia da PM no Centro de São Paulo ao lado do vice-governador, Felício Ramuth (à esquerda), e do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (à direita) Foto: Alex Fernandes / Governo do Estado de SP

Após remanejar mais de uma dúzia de coronéis do comando da PM, Tarcísio comprou mais uma briga na área ao seguir a orientação do secretário para conceder à PM o direito de fazer o registro dos chamados termos Circunstanciados (TCs). Os TCs foram instituídos em 1995 pela lei 9.099 e se aplicam aos casos de crimes de menor poder ofensivo, nos quais a autoridade policial, em vez de prender em flagrante o acusado do delito, encaminha as partes ao Juizado Especial Criminal e, mediante a admissão de culpa do autor, o magistrado pode determinar uma medida alternativa à prisão, encerrando o caso sem processo.

Atualmente, o TC é feito em São Paulo apenas pela Polícia Civil. Mas uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.637, que julgava uma lei de Minas Gerais, determinou que, embora a PM possa fazer o registro dos TCs, ela não pode realizar os atos de Polícia Judiciária, como diligências e pedidos de medidas cautelares, o que seria inconstitucional. A Corte teve o mesmo entendimento nas ADIs 6.245 e 6.264, nas quais foi questionado se agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) poderiam fazer o registro dos termos circunstanciados.

O problema é que a ordem do governador para que a PM prepare seus agentes para fazerem os TCs em São Paulo transfere essas investigações à corporação. O documento diz que um policial militar, com graduação de cabo, subtenente ou sargento, terá como atribuição “cumprir as diligências (cotas) requisitadas pelo Ministério Público e Poder Judiciário”.

O governador Tarcísio de Freitas negou que haja uma crise e disse que a medida foi negociada com a direção da Polícia Civil. “Não há crise nenhuma, não há problema nenhum. É um passo importante que tem previsão em termos de decisão judicial e isso já foi adotado por outros Estados. Não existe racha entre as polícias. Eles vão trabalhar integrados”, disse o governador em entrevista concedida durante o leilão da Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia) nesta sexta-feira, 19.

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O chefe do Executivo abordou o registro dos TCs previsto na ordem preparatória, mas não a possibilidade da PM fazer diligências sobre essas ocorrências, que também consta na ordem, e é o principal problema apontado por representantes dos policiais civis.

Na noite desta sexta-feira, o delegado-geral da Polícia Civil, Artur José Dian, gravou um vídeo em que reagiu ao plano do governo. “Referente ao termo circunstanciado elaborado por outras instituições através do registro de ocorrências, não as dá direito de efetuar investigações criminais e somente se ater aos limites das decisões do nosso Supremo Tribunal Federal”, disse ele.

O líder do PP na Assembleia, o deputado Delegado Olim, afirmou ao Estadão que a elaboração de TC pela PM já está decidida pelo governador, mas que a Polícia Civil não vai concordar com a invasão de suas atribuições, com a realização de diligências complementares, pela PM. “É inconstitucional”, disse. De acordo com ele, se a razão para a PM fazer o TC é dar mais agilidade ao registro de ocorrências, aumentando a permanência das viaturas nas ruas, ao fazer as diligências vai ocorrer justamente o contrário.

“Em vez da viatura ficar empenhada na delegacia, ela vai ficar empenhada fazendo investigação, em vez de aumentar o tempo de patrulhamento. Não tem sentido”, afirmou. A intenção de Derrite e de Tarcísio abriu uma crise com a Polícia Civil, que se sente desprestigiada pelo governador e pelo secretário. O desconforto começou com o fato de os delegados se sentirem colocados de lado no combate ao Primeiro Comando a Capital (PCC), como se a cúpula da secretaria não confiasse no trabalho da classe.

Isso porque várias operações grandes feitas contra a facção, como a Operação Fim da Linha, no início do mês, tiveram suas buscas e ordens de prisão realizadas com a presença exclusiva da PMs e de promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao crime Organizado (Gaeco). O Conselho da Polícia Civil adiantou uma reunião mensal e vai se reunir na próxima segunda-feira, 22.

Deputado Delegado Olim disse que Polícia Civil não aceitará invasão de suas atribuições Foto: Carol Jacob/Alesp

A crise já chegou até a Assembleia, onde o governo estadual tem enfrentado dificuldade para aprovar seus projetos em reação à suposta falta de diálogo de Derrite.

Na última quarta-feira, 17, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) não teve quórum para analisar a proposta de criação de escolas cívico-militares no Estado. O programa, criado no governo Jair Bolsonaro (PL), foi cancelado no governo Lula (PT), mas Tarcísio prometeu manter o modelo em sua gestão. O projeto prevê que policiais militares da reserva recebam um adicional para atuar como monitores nas escolas.

A oposição é contra a medida, mas mesmo parlamentares da base de Tarcísio têm esvaziado as reuniões e impedido o avanço do texto. O governo também tem sofrido com a falta de quórum na CCJR para aprovar duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que flexibilizam o gasto com educação e permitem à Controladoria Geral do Estado realizar procedimentos administrativos disciplinares contra servidores.

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Confira a nota na íntegra da Secretaria de Segurança Pública (SSP):

“O Governo de SP analisa os critérios de medição para pagamento do bônus aos servidores da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Hoje foi publicado em Diário Oficial o valor máximo anual para a bonificação de resultados, fixado em 120 Unidades Básicas de Valor (UBV) para o período de avaliação correspondente ao exercício de 2023.

Os policiais e servidores da SSP que atuarem diretamente para o alcance de até dez dos melhores resultados do período de apuração poderão receber um adicional de, no máximo, 180 UBV, em até seis cotas bimestrais de, no máximo, 30 UBV, conforme resolução conjunta a ser editada por comissão intersecretarial, nos termos da Lei Complementar nº 1.245/2014, com redação dada pela Lei Complementar nº 1.351/2019.”

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