TCU muda decisão, livra Lula de devolver relógio de R$ 60 mil e fixa tese que favorece Bolsonaro

Voto de Jorge Oliveira, indicado por Bolsonaro, foi seguido por outros quatro ministros; tese ‘anula’ entendimento de 2016 do TCU que determinava a devolução de presentes de luxo, mesmo personalíssimos

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Foto do author Tácio Lorran
Atualização:

BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) mudou o próprio entendimento sobre o recebimento de presentes de luxo por presidentes da República e decidiu nesta quarta-feira, 7, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não precisará devolver o relógio Cartier de R$ 60 mil, revelado pelo Estadão, que ganhou em seu primeiro mandato durante uma viagem à França.

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Em síntese, o tribunal entendeu que não existe legislação específica que verse sobre presentes de caráter personalíssimo e de elevado valor comercial.

O novo entendimento da Corte favorece o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O advogado Paulo da Cunha Bueno, que faz a defesa do ex-presidente, afirmou que a decisão da Corte de contas servirá como argumento de defesa de Bolsonaro.

“É uma decisão acertada, vamos usar, sim [na defesa de Bolsonaro no caso das joias]. Não há legislação especifica e o TCU estava legislando, como bem pontuou o ministro Jorge Oliveira”, disse Cunha Bueno, em conversa com o Estadão, após a sessão desta quarta-feira do TCU.

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O ex-presidente é acusado pela Polícia Federal de desviar joias e relógios de luxo da Presidência da República avaliados em R$ 6,8 milhões. Os valores obtidos das vendas dos presentes eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal de Bolsonaro por meio de pessoas interpostas, segundo o inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-presidente foi indiciado por crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro.

Oito ministros votaram na sessão de hoje. A tese vencedora, redigida pelo ministro Jorge Oliveira – indicado para o TCU por Bolsonaro –, foi acompanhada por Jhonatan de Jesus, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Vital do Rêgo.

O presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Antonio de Oliveira, indicado para vaga no Tribunal de Contas da União. Francisco Foto: Adriano Machado/Reuters

Houve ainda dois votos divergentes. O relator, ministro Antonio Anastasia, seguiu a área técnica do tribunal, conforme revelou o Estadão, e entendeu que Lula não precisaria devolver o relógio de luxo – pois o bem foi recebido em 2005 e, caso fosse determinada a devolução, poderia causar “insegurança jurídica”. Ele foi seguido pelo ministro-substituto Marcos Bemquerer Costa.

Já o ministro Walton Alencar votou para que Lula devolvesse o Cartier e quaisquer outros eventuais bens luxuosos, mas ficou sozinho no tribunal.

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Veja como votaram os ministros:

  • Jorge Oliveira, seguido por outros 4 ministros: Não existe legislação específica sobre presentes de caráter personalíssimo, apesar de entendimento firmado pelo próprio TCU em 2016. É preciso respeitar o princípio da moralidade, mas também o da legalidade. Tese favorece Lula e, sobretudo, Bolsonaro;
  • Antonio Anastasia, seguido por mais um ministro: TCU entendeu, em 2016, que presentes de alto valor comercial, mesmo considerados personalíssimos, devem ser devolvidos à União. Entendimento não poderia ser aplicada no caso de Lula agora pois relógio foi recebido há quase 20 anos (segurança jurídica);
  • Walton Alencar: Entendimento do TCU firmado em 2016 foi realizado com base na Constituição Federal de 1988 e no príncipio da moralidade. Portanto, todos os presidentes da República devem devolver itens luxuosos, incluindo Lula e Bolsonaro.
Lula usa relógio Cartier de R$ 60 mil durante live no Planalto Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula foi alvo de uma auditoria do TCU sobre esse mesmo tema em 2016. Na ocasião, o tribunal determinou a devolução de mais de 500 presentes que haviam sido incorporados ao patrimônio privado dele. O relógio Cartier, contudo, passou despercebido e não foi devolvido. Na ocasião, a Corte firmou o entendimento de que somente os itens de caráter personalíssimo (medalhas, por exemplo) ou de consumo próprio (roupas, perfumes, comidas) devem permanecer com os presidentes.

É justamente essa tese firmada em 2016 que foi “anulada” pelo voto vencedor de Jorge Oliveira que, na prática, pavilha o caminho para a defesa de Bolsonaro.

Em seu voto, o ministro Jorge Oliveira afirmou que não existe uma norma específica sobre o conceito de “bem de natureza personalíssima” e “elevado valor de mercado”. “O princípio da legalidade não vale no caso concreto? O direito sancionatório no Brasil é claro: não há crime sem lei anterior que o defina. No direito penal é claro. Até o presente momento não existe no País uma norma clara que trata sobre o recebimento de presentes por presidentes da República”, acrescentou Oliveira.

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E, por fim, deliberou: “Reconhecer que, até que lei específica discipline a matéria, não há fundamentação jurídica para caracterização de presentes recebidos por presidentes da República no exercício do mandato como bens públicos, o que inviabiliza a possibilidade de expedição de determinação, por esta Corte, para sua incorporação ao patrimônio público.”

Para solidificar seu argumento, Oliveira citou até mesmo a defesa apresentada por Lula no âmbito do processo de 2016 do TCU, feita pelo advogado Cristiano Zanin, atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) por indicação do petista.

Por sua vez, Walton Alencar afirmou que ausência de menção expressa na legislação acerca de presentes personalíssimos recebidos por presidentes da República não autoriza a apropriação dos bens de luxo. “A questão é tão óbvia que o legislador entendeu desnecessária a menção na lei. Uma e outra disposição em normas infralegais não lhes autoriza a incorporação ao patrimônio pessoal. Trata-se apenas de lastimável tentativa de legitimar o ilegitimável”, destacou Walton.

Ele reforçou que o entendimento do TCU publicado em 2016 foi realizado com base nos princípios da moralidade e da transparência. “A Constituição Federal é a mesma, o princípio da moralidade é o mesmo, a legislação é a mesma. Só mudaram mesmo os presidentes da República”, destacou.

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“Como vimos, a atribuição de relógios de ouro maciço, como presentes, a presidente da República, a Primeiro-Ministro ou a ministros de Estado, não é tolerada por nenhum país civilizado do mundo”, completou.

Além do Cartier, Walton Alencar pediu a devolução do relógio Piaget de R$ 80 mil. Esse item não consta na lista de presentes oficiais. A existência do relógio de luxo veio à tona no início de 2022, quando Lula apareceu usando o relógio durante evento de comemoração do centenário do PC do B.

Relógio Piaget foi usado por Lula durante a campanha eleitoral de 2022 Foto: RicardoStuckert/PR

Conforme revelou o Estadão, a assessoria de imprensa do presidente Lula afirmou que o Piaget não foi um presente recebido enquanto era presidente nos seus dois primeiros mandatos.

A informação da equipe do Palácio do Planalto contradiz uma versão anterior de Lula apresentada por duas reportagens publicadas pela imprensa em 2022. Segundo uma publicação do Metrópoles e outra da Folha de S. Paulo, Lula disse a aliados durante um evento no Rio de Janeiro, em março daquele ano, que ganhou o relógio de presente quando era presidente. Neste caso, Lula deveria ter declarado o bem no sistema da Presidência — o que não ocorreu.

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Em seu voto, Anastasia, que ficou vencido, não deliberou sobre o Piaget justamente por não ter sido comprovado que o relógio se tratou de um presente recebido durante o mandato do petista. Ele pontuou, ainda, que não há registros de que o item foi vendido – em clara referência a Bolsonaro.

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