Símbolo dos tenentes, cuja história foi cultuada pelo regime militar e se mantém até hoje no Exército, Antônio Siqueira Campos foi de cadete elogiado por seu garbo marcial a tenente que se destacava por sua competência profissional, daí a desertor por se envolver nos “acontecimentos de 5 de julho” de 1922.
Ele acabaria promovido a capitão e a major, em três meses – já morto. A curta passagem de Siqueira Campos, o oficial paulista de Rio Claro que comandou a marcha final dos 18 do Forte, pela vida militar está nas anotações guardadas no Arquivo Histórico do Exército. Marcadas por extremos, elas descrevem a trajetória do combatente decisivo, pela ousadia, no quixotesco movimento de 5 e 6 de julho.
Um dos mais veementes elogios que Siqueira recebeu foi feito pelo capitão Euclydes Hermes da Fonseca, comandante do Forte de Copacabana, em 23 de março de 1922. Pouco mais de três meses depois, Euclydes chefiou a guarnição na revolta, da qual o jovem tenente se tornou figura simbólica, ao lado de Eduardo Gomes.
“Ao deixar esta bateria o senhor primeiro-tenente Antônio de Siqueira Campos, cumpro o agradável dever de louvá-lo pelos serviços prestados a esta unidade, onde deixa bem visível o traço de sua passagem, como oficial eficiente, disciplinador, muito hábil instrutor”, afirmou Euclydes, quando Siqueira Campos foi indicado para o Curso de Pilotos Aviadores da Escola de Aviação Militar e ficou à disposição do Estado-Maior. “Assumindo o comando interino desta bateria, revelou qualidades dignas como administrador, além de bastante capacidade para a função, demonstrando perfeita compreensão com o regime e para com a Pátria.”
Ainda na Escola Militar de Realengo, o adolescente Siqueira Campos tinha sido elogiado três vezes – duas em nome do presidente da República, Venceslau Braz. O motivo dos três elogios foi o mesmo: o garbo e correção com que se apresentou em desfiles militares. Provavelmente, outros cadetes também receberam os mesmos estímulos. Especialmente no último caso, devido ao “extraordinário brilho” da unidade de ensino na parada de 7 de Setembro, apontam os documentos.
Não foi, porém, uma vida fácil. Em março de 1918, “foi público” que Siqueira Campos respondeu a inquérito policial militar em São Paulo. Até cumpriu duas semanas de cadeia na Fortaleza de Santa Cruz, por ordem do general comandante da 6.ª Região Militar. O motivo foi a suposta violação dos números 27 e 52 do artigo 421 do Regulamento Interno de Serviços Gerais, “não se lhe aplicando maior castigo em atenção aos seus bons precedentes e aplicação nos estudos”.
Em 18 de dezembro de 1918, Siqueira foi aprovado na Escola Militar de Realengo com base no Decreto 3.603/1918, como muitos outros estudantes brasileiros. A norma passou de ano, sem exames finais, todos os alunos de instituições militares, de ensino superior e outras. O motivo foi a Gripe Espanhola, que fechou escolas. Só na capital federal matou 15 mil pessoas.
Siqueira foi bom aluno de Artilharia, mas sem ser excepcional. Sua Fé de Ofício assinala aprovações, no primeiro período do curso, com duas notas nove, um oito e um cinco, e no segundo, duas vezes dez, um sete e um seis. Teve desempenho um pouco melhor antes de ingressar na Escola Militar do Realengo, quando frequentou o Gymnasio da Cidade de São Paulo.
No 6.º ano, Siqueira Campos foi aprovado com distinção em História Natural, História do Brasil e Literatura, com notas dez; plenamente em Física/Química (oito), Alemão e Grego (nove em cada uma). No ano anterior, passou com nota máxima em Geografia/Astronomia, Latim e História Universal, e sete em Inglês. Nos exames do quarto para o quinto ano, foram três notas nove (Álgera, Geometria/Trigonometria e Francês) e dez duas vezes (Desenho e Português).
Ao servir na 1.ª Bateria Isolada de Artilharia de Costa, no Forte, Siqueira passou pelos canhões de 75, 190 e 305 mm. Comandava essa última cúpula quando recebeu o elogio de Euclydes, ao deixar o quartel para o curso. Menos de um mês depois, em 17 de abril, voltou a Copacabana. Tinha sido reprovado na inspeção de saúde. Em onze dias, era o comandante de outra cúpula, a de 190 mm. Dela, faria alguns disparos da revolução de que participaria, em pouco mais de dois meses. Um deles acertou o navio São Paulo, da Marinha do Brasil.
As anotações de Siqueira Campos também assinalam que em 21 de dezembro de 1922 o oficial teve alta do Hospital Central do Exército e foi levado preso para a Escola de Estado-Maior. Foi libertado por meio de habeas corpus em 10 de janeiro de 1923. Menos de dois meses depois, em 1.º de março, o comandante da instituição na qual Siqueira ficara detido encaminhou ao auditor chefe da 6.ª Circunscrição Judiciária Militar o termo de deserção do revolucionário.
Mas em novembro de 1930, pouco após a vitória da revolução de outubro, com base em decreto de anistia, Siqueira Campos foi promovido a capitão. Em janeiro de 1931, chegou a major. As duas promoções foram póstumas. Siqueira Campos morreu em 10 de maio de 1930, na queda de um avião no litoral uruguaio. Voltava de Buenos Aires, na Argentina, onde tentara convencer o capitão Luiz Carlos Prestes a aderir à Revolução de 1930. Não chegou a ver a queda do regime oligárquico, pelo qual arriscara a carreira militar e a própria vida.
Mas se transformaria em símbolo do movimento, com direito a inauguração de bustos em sua terra natal e no Rio, onde uma estátua em sua homenagem foi inaugurada na Praça Eugênio jardim e, depois, reinaugurada pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, na Avenida Atlântica, em Copacabana, em 5 de julho de 1974, durante as comemorações dos 50 anos do levante do forte.
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