‘Terceiro turno’ da eleição em SP acontece na Justiça com ‘herança’ de processos entre candidatos

Ofensas e troca de acusações que começaram ainda na pré-campanha têm ações e recursos que vão até a terceira instância da Justiça comum

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Foto do author Heitor Mazzoco

SÃO PAULO — A eleição municipal na capital paulista não acabou para a maioria dos postulantes ao cargo máximo da política paulistana. O “terceiro turno”, agora, será nos tribunais da Justiça Comum. Os resquícios da disputa eleitoral estão em todas as instâncias. O levantamento do Estadão não leva em consideração dados da Justiça Eleitoral, que incluem discussões mais circunscritas ao pleito, como direitos de resposta e debates sobre infrações na campanha.

Apenas na primeira instância da Justiça comum, cinco candidatos (Ricardo Nunes, Guilherme Boulos, Pablo Marçal, Tabata Amaral e José Luiz Datena) aparecem em nove processos por danos morais. Quatro foram movidos pelo prefeito reeleito. O principal embate é entre Nunes e Boulos. Os processos versam sobre troca de acusações ou ofensas entre os políticos ocorridas desde a pré-campanha.

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Uma ação movida pelo emedebista contra o psolista está conclusa para sentença na 19ª Vara Cível de São Paulo. Trata-se de ação por dano moral ― com pedido indenizatório em R$ 50 mil ― depois de Boulos afirmar que Nunes cometeu “roubos claros”. O comentário ocorreu ainda na pré-campanha, em abril.

Na ocasião, o deputado federal respondia sobre a tramitação no Congresso Nacional do projeto que proíbe as “saidinhas” de presos em regime semiaberto. “Então, assim, é lógico que quem cometeu crime, ainda mais um crime violento: roubou, matou, estuprou, tem que ir para cadeia, como diz a lei. Aliás, isso não é cumprido com muita gente, a começar por algumas pessoas, como o prefeito de São Paulo, que tem roubos claros e está aí, segue governando”, citou Boulos, segundo trecho da petição inicial protocolada pelos advogados de Nunes.

Cinco dos seis principais candidatos à Prefeitura de São Paulo brigam, agora, na Justiça por dano moral Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Os advogados do prefeito afirmaram na inicial que ficou explícito para todos que Boulos “declarou para milhões de pessoas que Ricardo Nunes rouba na Prefeitura de São Paulo. E a circunstância agravou a ofensa. O réu estava tratando de criminosos que mereciam cadeia e, neste contexto, disse que o autor comete crime como prefeito”.

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Como o Estadão mostrou em julho, há um pedido de reconhecimento de revelia nos autos. Isso porque, segundo a defesa de Nunes, o adversário no segundo turno das eleições deste ano não apresentou contestação no prazo legal de 15 dias, conforme determina o Código Processual Civil (CPC). Os advogados de Boulos alegaram nos autos que o deputado federal não foi notificado pessoalmente. Desde o final de agosto a ação está próxima de ser julgada.

Boulos também processou Nunes por dano moral e pede R$ 20 mil de indenização. A ação foi movida dois dias depois do debate de primeiro turno entre os candidatos na TV Cultura. Boulos perguntou para Nunes sobre uma suposta relação do Primeiro Comando da Capital (PCC) com a Máfia das Creches ― grupo acusado de desviar dinheiro oriundo da educação infantil ―, e Nunes rebateu: “Você cheirou? Você está louco, rapaz?”. A indagação do prefeito reeleito motivou o processo que tramita 24ª Vara Cível de São Paulo.

“Ao indagar se o autor havia ‘cheirado’, em meio a um contexto já marcado por desinformação sistemática sobre o assunto, o réu, afinal, evidentemente buscou alavancar-se na falsa narrativa, já desmentida, como uma tentativa de potencializar a boataria. Foi, enfim, um ato deliberado e consciente, com o único intuito de macular a imagem do autor”, afirmaram os advogados Roberto Ricomini Piccelli, Marina Muniz Matoso, Ramon Arnús Koelle e Mariana Vitório Tiezzi.

Defensores de Nunes afirmaram que a ação deve ser julgada improcedente por inépcia da inicial. No mérito, Alexandre Imbriani, Bruna de Carvalho Dias, Mariana Wolpert afirmaram que “o uso de expressões contundentes e provocativas faz parte do jogo democrático e essa situação específica deve ser interpretada como uma troca de provocações próprias do calor do debate político, não como ofensa à honra”.

“Você cheirou? Você está louco, rapaz?

Ricardo Nunes para Guilherme Boulos

Sobrou também para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi acionado na Justiça paulistana por Boulos. O ex-chefe do Poder Executivo federal compartilhou uma reportagem do portal Metrópoles sobre o governo federal colocar em sigilo dados sobre fugas de presídios. O problema, segundo os advogados do deputado federal, foi Bolsonaro compartilhar a imagem de Lula e Boulos juntos.

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“Podemos perceber que na reportagem original, do site Metrópoles, há uma foto ilustrativa mostrando a muralha de um presídio (...) O ex-presidente Bolsonaro, porém, de forma maliciosa, distorceu a reportagem, realizando uma montagem na qual retirou a foto original da reportagem e inseriu uma foto totalmente diversa do conteúdo jornalístico em questão, buscando atrelar a pessoa do autor (Boulos) ao tema da fuga em presídios e do sigilo desses dados”, disseram nos autos. Procurado, Bolsonaro disse, por meio do advogado Fábio Wajngarten, que aguardará citação.

Debate TV Cultura Foto: Reprodução de vídeo/TV Cultura

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Outro embate que ainda renderá na Justiça Comum é entre Datena e Marçal. O apresentador de TV move duas ações contra o ex-coach, que acionou o jornalista uma vez. Datena pediu um total de R$ 200 mil por ser chamado de “estuprador”, “jack” e “comedor de açúcar”. O apresentador havia sido acusado anteriormente por uma ex-repórter da Band de assédio sexual. O caso, porém, foi arquivado.

Marçal citou o caso no debate da TV Cultura. Em resposta, Datena pegou uma cadeira e bateu em Marçal, que sofreu escoriações. Posteriormente, o ex-coach publicou trechos das acusações em um vídeo nas redes sociais, o que motivou uma das ações de Datena. Em outra ação, o comunicador se sentiu ofendido por Marçal dizer que ele é “comedor de açúcar”, uma referência a cocaína.

O ex-coach também entrou na Justiça depois de levar cadeirada no debate e pede R$ 100 mil de dano moral. “Tais lesões não apenas causaram dor física considerável ao requerente (Marçal), como também limitaram suas atividades cotidianas e profissionais, interferindo diretamente em sua campanha eleitoral (...), disseram os advogados Paulo Hamilton Siqueira Junior, Tassio Renam Souza Botelho, Marcelo Reina Filho e Thayna Araújo Ferreira Rissatto.

Eles também argumentaram que “a agressão foi amplamente divulgada em redes sociais, sites de notícias e canais de televisão, causando constrangimento e humilhação pública ao requerente, que, além de sofrer danos físicos, viu sua imagem pública severamente afetada”.

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Datena ainda é alvo de uma ação movida por Ricardo Nunes depois de associar o atual prefeito ao crime organizado. O apresentador falou em entrevistas e debates que Nunes corria o risco de ser preso ― Nunes não responde a nenhum processo criminal que possa levá-lo para cadeia.

O apresentador citou, por exemplo, suposto esquema de infiltração do PCC no sistema de transporte coletivo urbano da capital paulista. A operação Fim da Linha, deflagrada em abril deste ano pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, pela Receita Federal e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), apuram se as empresas Transwolff e UPBus usaram dinheiro do crime organizado para operação. Apesar de os contratos estarem ligados à Prefeitura de São Paulo, não há citação do prefeito reeleito Nunes na investigação.

Nunes foi o que mais acionou adversários na Justiça Comum Foto: Alex Silva/Estadão

As desavenças entre Nunes e Boulos chegaram até ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Há um agravo movido por Nunes em ação também por dano moral depois de Boulos publicar uma montagem do prefeito da capital como bandido furtando a carteira da bolsa de uma merendeira. Em contestação, a defesa de Boulos alegou que a montagem é evidentemente “tosca e humorística” para tecer a crítica ao atual prefeito. A ação foi julgada improcedente em primeira instância e a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em março deste ano, o recurso chegou a Brasília.

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