RIO – Advogados de militares indiciados pela Polícia Federal (PF) no suposto plano de tentativa de golpe de Estado se mostraram insatisfeitos e contrariados com a declaração da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de se eximir das imputações da investigação e “jogar os militares aos leões”, como disse um dos defensores dos indiciados ao Estadão.
O desacordo entre as defesas escalou após o advogado do ex-chefe do Executivo, Paulo Cunha Bueno, afirmar em entrevista à Globonews que os integrantes de uma “junta militar” seriam os beneficiários do suposto golpe em planejamento, apontado pela PF, após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022.
“Quem seria o grande beneficiado? Segundo o plano do general Mário Fernandes (um dos indiciados), seria uma junta que seria criada após a ação do Plano Punhal Verde e Amarelo, e nessa junta não estava incluído o presidente Bolsonaro”, disse o advogado do ex-presidente. “Não tem o nome dele (Bolsonaro) lá, ele não seria beneficiado disso. Não é uma elucubração da minha parte. Isso está textualizado ali. Quem iria assumir o governo em dando certo esse plano terrível, que nem na Venezuela chegaria a acontecer, não seria o Bolsonaro, seria aquele grupo”, complementou.
A “junta militar” citada por Cunha Bueno seria formada pelos generais e demais militares que integrariam um hipotético “Gabinete Institucional de Gestão da Crise” caso a ruptura institucional ocorresse. O coordenador do grupo seria, de acordo com a PF, o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro. O general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), foi apontado como o chefe do gabinete de crise, que contaria ainda com o general Mário Fernandes na Assessoria Estratégica, junto do coronel Élcio Franco – ex-número 2 do Ministério da Saúde.
O documento que detalhou o “gabinete de crise” pós-golpe foi encontrado na Operação Contragolpe, que ainda encontrou detalhes dos planos “Copa 2022″, para a execução do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e ‘Punhal Verde de Amarelo’, para o envenenamento de Lula, explosão de Moraes, assassinato do vice Geraldo Alckmin (PSB).
A declaração do advogado de Bolsonaro causou revolta entre parte da defesa. O advogado de Mário Fernandes, Marcus Vinícius Figueiredo, chegou a chamar a declaração de Bueno de “irresponsável” ao jornal O Globo. Procurado pelo Estadão, ele ainda não se pronunciou.
Um dos advogados dos generais citados pela PF ouvido pela reportagem diz que a estratégia da defesa do ex-presidente seria “jogar os militares aos leões”, em um sinal de “falta de lealdade”.
A repercussão da linha de defesa do ex-presidente levantou a possibilidade de que os militares citados fechassem acordos de colaboração premiada. Um deles, o general Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, com quem foi encontrado o plano “Punhal Verde e Amarelo” e documentos com o planejamento do “gabinete de crise”.
O advogado Raul Livino, um dos integrantes da defesa de Mário Fernandes, chegou a defender que a colaboração premiada fosse estudada. Ele deixou a defesa do general nesta quarta-feira, 4, após desacordos entre as teses dos defensores e a família de Fernandes. Ao Estadão, Livino afirmou que “não descartava nenhuma das hipóteses possíveis em benefício do acusado”.
“Eu disse que não descartava nenhuma das hipóteses possíveis. Era uma das hipótese possíveis, porque todas as linhas são possíveis, desde que tragam algum benefício ao acusado. Eu analiso tudo aquilo que é favorável à defesa. Houve uma discordância”, afirmou.
Procurada pelo Estadão, as defesas dos generais Braga Netto e de Augusto Heleno não se pronunciaram. Os advogados de Braga Netto divulgaram uma nota no dia 23 de novembro, em que repudiaram “a tese fantasiosa de que haveria um golpe dentro do golpe” e reafirmaram a lealdade dele ao ex-presidente Bolsonaro.
“Durante o governo passado, foi um dos poucos, entre civis e militares, que manteve lealdade ao Presidente Bolsonaro até o final do governo, em dezembro de 2022 e a mantém até os dias atuais, por crença nos mesmo valores e princípios inegociáveis”, diz o texto.
‘Linha defesa antiética’
Para que o gabinete de crise fosse colocado em prática, os investigados contavam com o sucesso da ação de “kids pretos” mobilizados para a operação Punhal Verde e Amarelo – para matar o presidente Lula, Alckmin e Moraes. Um dos apontados pela PF é o tenente-coronel Rodrigo Azevedo Bezerra. A defesa de Azevedo, constituída pelo advogado Jeffrey Chiquini, rebate as acusações e sustenta que o militar é inocente.
O advogado entrou com um pedido no STF nesta terça-feira, 3, em que pede que Moraes oficie os órgãos responsáveis pelo tráfego de Brasília e Goiás para provar que o carro do tenente-coronel não passou pelos locais indicados pela PF no dia 15 de dezembro de 2022, em que os “kids pretos” teriam monitorado o ministro. A defesa incluiu ainda um extrato do cartão de crédito do militar para sustentar que ele estava em casa na data e que teria pedido um lanche para comemorar o aniversário com a família em Goiânia.
Segundo Chiquini, a declaração de Cunha Bueno, apesar de não interferir na estratégia de defesa do tenente-coronel, é “antiética”.
“O tenente-coronel continua como inocente. Não sou antiético de criticar a estratégia dele, mas a defesa deve ter cautela nas palavras que coloca porque ela fala em nome do cliente. A minha defesa não atrapalha em nada. O meu cliente não tinha nenhuma função de comando. Eu não me senti incomodado. Eu respeito a estratégia da defesa dele, mas estratégia de defesa não se faz atacando pessoas. Não concordo com essa linha de defesa. É uma linha de defesa que não gosto e não acho ética”, disse ao Estadão.
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