BRASÍLIA – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, está costurando um voto que imponha limites ao compartilhamento de informações sigilosas pela Receita Federal e pelo antigo Coaf (rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira), mas sem comprometer o combate à corrupção no País, segundo o Estado apurou. O tema será discutido pelo plenário do STF nesta quarta-feira, 20.
A discussão, que deve mais uma vez dividir o plenário do Supremo, interessa ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Relator do processo que discute o repasse de informações sigilosas por órgãos de controle e inteligência, Toffoli determinou em julho a suspensão de diversos procedimentos de investigação apoiados em dados fiscais e bancários compartilhados sem o aval prévio da justiça. Só no Ministério Público Federal (MPF), o saldo de casos parados chegou a 935.
Uma das preocupações dentro do governo é a de preservar a atuação do Coaf e da Receita. Para tratar do tema, Toffoli se reuniu nesta segunda-feira com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça. “Nós estamos tentando buscar uma solução que atenda a todos em relação ao que vai ser votado na quarta-feira”, disse Campos Neto a jornalistas, ao deixar o Supremo.
O presidente do STF, por sua vez, está buscando uma saída que não prejudique o combate à corrupção, mas que ao mesmo tempo garanta a proteção de dados sigilosos de cidadãos. Segundo o Estado apurou, Toffoli está levando em conta as ponderações do grupo de trabalho da Organização dos Estados para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que demonstrou preocupação com a liminar do ministro concedida emjulho.
No entorno do ministro e dentro de associações de magistrados, há críticas à repercussão negativa com o despacho de Toffoli, que determinou que a Receita encaminhasse à Corte dados fiscais sigilosos e provas obtidas em investigações contra mais de 6 mil contribuintes, nos últimos três anos. Toffoli também pediu que o Banco Central lhe enviasse cópias de todos os relatórios de inteligência financeira produzidos pelo antigo Coaf.
Para esse grupo, não houve a mesma indignação coletiva quando o escândalo da “Vaza Jato” revelou o uso de informações sigilosas da Receita – sem aval da Justiça – por procuradores da Lava Jato. Além disso, aliados de Toffoli alegam que o ministro não tinha conhecimento da enorme quantidade de relatórios que acabaram encaminhados ao Supremo.
Devassa
Em resposta a um pedido de esclarecimentos feito por Toffoli, Aras informou que é “tecnicamente impossível” a PGR fazer qualquer tipo de “devassa” em movimentações bancárias alheias, “até porque sequer possui acesso a essas informações”. De acordo com a PGR, ao longo dos últimos três anos, o Ministério Público recebeu 972 relatórios do Coaf, "todos enviados de forma espontânea", pelo órgão.
Os relatórios são encaminhados ao Ministério Público por sistema eletrônico, "de forma automática", em meio eletrônico e com uso de canal "criptografado", ressaltou Aras. As comunicações, observou o procurador, não fornecem extratos completos de transações financeiras de uma determinada pessoa, e sim dados referentes a situações específicas que foram consideradas suspeitas.
Toffoli também havia solicitado a Aras que informasse “voluntariamente” quais e quantos membros do MPF são cadastrados no sistema restrito do antigo Coaf, mas o procurador-geral da República não forneceu essas informações.
Nesta segunda, três órgãos de coordenação e revisão do MPF reforçaram a necessidade de revisão da decisão de Toffoli que suspendeu diversos procedimentos de investigação apoiados em dados fiscais e bancários compartilhados sem o aval prévio da Justiça.
Além de pedir que o plenário derrube a decisão que proibiu o compartilhamento, a nota pública quer que o Supremo reveja outra decisão de Toffoli, de outubro, que ordenou à Receita e ao Banco Central – órgão ao qual a UIF, antigo Coaf, está vinculado – a entrega dos documentos referentes aos RIFs e representações para fins criminais.
"Dados acobertados por sigilo, como aqueles solicitados pelo Ministro Presidente, encontram-se sob guarda de órgãos de controle diferentes, e só podem ser disponibilizados para autoridades que atuam em processos específicos, os quais têm como objetivo investigação ou ação para as quais as informações serão meio de prova, não havendo permissão constitucional ou legal que uma só autoridade possa requisitar tais informações", diz a nota, assinada pelos coordenadores das câmaras de Combate à Corrupção, Criminal e do Meio Ambiente do MPF, e por outros 11 integrantes da entidade.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.