Tradição e monarquia no apoio a Bolsonaro

Diretores do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, herdeiros da antiga TFP, defendem união dos grupos conservadores em torno do governo e vão às ruas para apoiar a ‘reconstrução dos valores’

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O uniforme, as bandeiras e os símbolos são os da antiga Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). Os homens de cabelos grisalhos e roupas marrom e cinza carregam estandartes e distribuem panfletos no início da Avenida Paulista, longe dos carros de som. Era dia de manifestar apoio à pauta conservadora do governo de Jair Bolsonaro. Entre eles estava um senhor de 78 anos, a grande referência do grupo. Trata-se de d. Bertrand Maria José Pio Januário Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orléans e Bragança, segundo na linha sucessória real e um dos líderes do movimento de restauração da monarquia.

Os militantes que o cercavam eram todos sócios ou diretores do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira. Eles são continuadores da obra da TFP, a sociedade que desde 1960 combatia o socialismo e a ameaça do comunismo no Brasil até a sua divisão, após a morte de seu fundador, Plínio Corrêa de Oliveira, o Doutor Plínio, em 1995. Centro difusor do pensamento conservador, o instituto é um dos suportes do atual governo. “Tomamos muito cuidado no sentido de não ser político, somos independentes da Igreja e do governo. O governo tem uma característica conservadora, mas há pontos que precisam ser reparados”, disse o empresário Adolpho Lindenberg, presidente do Instituto e herdeiro do legado tradicionalista de origem católica.

Adolpho Lindenberg e D. Bertrand Maria Jose de Orleans e Bragança Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Depois de apoiar o impeachment de Dilma Rousseff, os integrantes do Instituto estão voltando às ruas em defesa da união das forças conservadoras. “Temos de tomar cuidado, pois estão querendo lançar uma discórdia entre os conservadores e nós devemos evitar isso. O momento é de reconstrução nacional, pois o País foi saqueado”, afirmou d. Bertrand. O príncipe se encontrou com Lindenberg na quarta-feira no casarão que abriga a sede do instituto em Higienópolis, no centro.

A pauta conservadora do governo agrada aos dois. Eles aplaudem os compromissos da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, com a vida “desde sua concepção até a morte”, com a família tradicional formada por homem e mulher e com o direito sagrado de os pais educarem seus filhos. Também apoiam a luta travada pelo governo contra o que chamam de ecoterrorismo, o ambientalismo no qual enxergam a “insidiosa transformação de vermelhos em verdes”. Para o príncipe, “Deus criou a natureza para nós, homens”. “O homem é o jardineiro de Deus. E eles (ambientalistas) acham que o homem é o grande predador.” Ao seu lado, Lindenberg completou: “Esse movimento ecológico é infiltrado por ideias panteístas”.

Como Bolsonaro, os dois criticam a política indigenista dos governos anteriores. Defendem que a fé cristã seja ensinada às tribos como forma de levar a civilização a esses povos. Tanto um quanto outro também compartilham das ressalvas do presidente ao “movimento negro”, a quem acusam de fomentar o racismo. “Todos temos sangue negro em nossas famílias. Até na minha. Uma pesquisa encontrou um negro chamado Ludovico Moro”, revelou o príncipe. Seu colega concordou. “Essa insistência do movimento negro cria o problema racial no Brasil, problema que nunca houve.”

Bertrand e Lindenberg evitaram citar quais são as restrições que fazem ao governo. Mas a declaração do presidente sobre a nomeação de um ministro evangélico para o Supremo Tribunal Federal (STF) não agradou aos católicos tradicionalistas. Também se incomodam com os modos e as palavras usadas por Olavo de Carvalho, o guru dos Bolsonaro, em suas disputas com os ministros da ala militar do governo.

Monarquistas. D. Bertrand mantém excelentes relações com oficiais generais das três Forças, muitos dos quais monarquistas. “Há muitos monarquistas na Marinha. Eu não sou militante ativo da causa monárquica porque me dediquei só ao Instituto, mas ela tem toda a minha simpatia e apoio”, contou Lindenberg. O príncipe afirmou, porém, em seguida, que este não é o momento de se defender a restauração monárquica, pois a causa ameaçaria dividir o campo conservador. Para ele, no entanto, a força de seu movimento está crescendo. “Depois da reconstrução nacional, haverá uma restauração da monarquia.”

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Na mais recente manifestação em defesa do governo, d. Bertrand subiu no carro de som do grupo Nas Ruas e fez um duro discurso contra os “vermelhos”. A exemplo dos militantes do Instituto que foram à Avenida Paulista, ele rejeita a intervenção militar, mas é crítico ao Supremo Tribunal Federal. “É preciso haver um mecanismo que garanta a imparcialidade dos juízes.” 

Adolpho Lindenberg e D. Bertrand Maria Jose de Orleans e Bragança Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Na manifestação, ativistas do Instituto seguiram a cartilha de defesa do presidente Bolsonaro e críticas ao Centrão e à imprensa. “Movimentos internos querem dividir e desestabilizar a base do governo. A imprensa explora essa divisão interna”, disse o advogado Frederico Vioti, 48 anos, enquanto distribuía panfletos.

Além de d. Bertrand, o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), seu sobrinho, também discursou no carro de som do Nas Ruas. Ao Estado, o deputado eleito com 118 mil votos disse defender o parlamentarismo como primeira etapa para a restauração da monarquia. “Está se construindo um clima político para isso.” 

Luiz Phillippe não encontrou resistência para entrar na política porque seu pai deixou a linha sucessória da família real. Antes de se candidatar, conversou com o tio, que apoiou sua decisão de buscar uma vaga no Parlamento pelo PSL. “Um verdadeiro patriota deve apoiar tudo o que Bolsonaro estiver fazendo de bom no sentido da restauração de nossos valores”, afirmou Bertrand.

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Imagens. O príncipe estava à vontade no prédio em Higienópolis que preserva os quadros e a mobília do tempo em que o doutor Plínio atendia os visitantes na sala com a imagem de São Pio X. “Aqui não há nada a esconder”, disse o príncipe enquanto abria as portas de diversos cômodos e os exibia para a reportagem do Estado.

O leão – velho símbolo da TFP – continua lá, assim como as imagens marianas e os crucifixos. A sala de reunião do conselho da entidade mantém no centro uma coroa e na parede a efígie de seu fundador. A ala antiga do movimento não pode usar o nome tradicional da entidade no Brasil porque perdeu na Justiça a disputa por esse direito para o grupo dissidente, cujo chefe, João Scognamiglio Clá Dias, fundou a associação Arautos do Evangelho.

D. Bertrand estima em centenas o número de sócios do Instituto, todos atuantes na “ordem temporal”, inclusive nas eleições. “Muito mais do que uma eleição entre pessoas, a última campanha foi uma eleição entre dois modelos de Brasil. Um continuava a agenda do PT – e, a nosso ver, o PT é uma seita, pois o comunismo foi definido pelo papa Pio XI como uma seita e de fato é”, disse. 

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A outra agenda era a da “reconstrução do Brasil”. “A obra do PT nesses anos todos tinha um denominador comum: a destruição do que restava de cristandade no País”, concluiu a frase com os “erres” sibilantes, de consoante fricativa, soando levemente como francês.

O ataque ao Partido dos Trabalhadores se mistura às críticas a outro grupo de desafetos dos dois: o clero progressista, responsável pelas transformações pelas quais passou a Igreja desde o Concílio Vaticano II, nos anos 1960. Adeptos da missa tridentina, cuja liturgia em latim caracterizava o rito católico até sua modificação no papado de Paulo VI, os integrantes do Instituto não simpatizam com o papa Francisco, a quem acusam de ser próximo dos adeptos da Teologia da Libertação.

“A solução dos problemas atuais é o que está no lema do papa São Pio X: restaurar o homem em Cristo, pois a crise atual não é apenas uma crise econômica e política, ela é, fundamentalmente, uma crise moral e religiosa”, disse o príncipe. Lindenberg completou: “Queremos a restauração da civilização cristã, em clima de liberdade que nos permita lutar pela liberdade, ao contrário do que ocorria no lulismo. Queremos o nosso País de volta”.

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