BRASÍLIA - Os magistrados de ao menos 14 Tribunais de Justiça (TJs) e cinco Cortes federais do País têm recebido mensalmente benefícios extras em seus contracheques, a título de Adicional por Tempo de Serviço (ATS), mesmo sem o Congresso ter finalizado a discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Quinquênio, que prevê o pagamento do “bônus” a juízes e procuradores.
A PEC do Quinquênio em tramitação no Senado propõe pôr um fim nas resoluções e atos administrativos aprovados em cada tribunal ao reconhecer o pagamento do penduricalho como um direito constitucional.
O texto é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e prevê a volta do pagamento de ATS para carreiras do Judiciário e do Ministério Público a cada cinco anos e, por isso, é chamado de quinquênio. O texto que tramita no Congresso estabelece um acréscimo de 5% nos salários a cada período, que podem chegar até o máximo de 35% do teto constitucional.
O proposta foi debatida intensamente em abril deste ano e chegou a ser pautada para votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas não avançou na Casa por causa da pressão de diversos setores, incluindo o governo do presidente Luiz Inácio Lula Silva.
Levantamento realizado pelo Estadão em consulta aos Tribunais de Justiça mostra que o ATS é pago a magistrados em Goiás, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo. Os Tribunais Regionais Federais da 1ª Região (TRF-1) e da 5ª Região (TRF-5) também constam na lista.
Além disso, o Estadão identificou em consulta ao DadosJusBR, projeto da Transparência Brasil que agrega R$ 144 bilhões em contracheques do Judiciário e Ministério Público, outros cinco tribunais de unidades da Federação (Paraíba, Pará, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Acre) e três federais (TRF-2, TRF-4 e TRF-6) que pagaram rubricas intituladas de ATS e Quinquênio, em 2023.
O Estadão questionou os tribunais sobre as estimativas de custo e impacto financeiro com o pagamento do penduricalho, mas a maioria dos procurados não respondeu. O TRF-5 foi o único a informar o quanto desembolsa com o custeio do benefício. São R$ 62.762,74 por mês com magistrados ativos, R$ 25.744,98 com inativos e R$ 14.758,70 com pensionistas.
A Corte Federal afirmou que não expediu ato administrativo para autorizar o pagamento do quinquênio, como fizeram outros tribunais. O TRF-5 argumentou que “apenas cumpriu a determinação do Conselho da Justiça Federal (CJF), amparada por julgados do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Em 2022, o CJF autorizou o retorno do pagamento de ATS. O benefício havia sido extinto em 2006, mas foi reincorporado os holerites a partir da mobilização de associações de magistrados, As estimativas da época eram de que os juízes federais com direito ao penduricalho poderiam embolsar até R$ 2 milhões com o pagamento de valores retroativos.
Como revelou o Estadão, em 2023, o então corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, chancelou o pagamento do penduricalho. Na época, técnicos do TCU realizaram uma auditoria na qual identificaram que o benefício custaria R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Foi a partir do ano passado, com respaldo na decisão do CNJ, que as cúpulas das Cortes intensificaram as autorizações de pagamento do bônus.
“São autorizações dos conselhos que não encontram respaldo impresso na legislação. É importante que todo benefício tenha uma lei autorizativa específica e que não seja (criado) via interpretação, ou algo que surgiu do nada”, analisou o coordenador de projetos da Transparência Brasil, Cristiano Pavini. “Deveria ter uma padronização, na qual os órgãos dos Estados não pudessem criar benefícios sem aval dos conselhos nacionais, que seriam atinentes ao que está previsto nas legislações”, completou.
Um exemplo do comportamento dos órgãos do Judiciário é o TJ de Goiás, que restabeleceu o pagamento do penduricalho em janeiro deste ano. Como mostrou o Estadão, a autorização do pagamento foi feita por meio de um procedimento sigiloso. Antes mesmo da volta do ATS, uma série de benefícios pagos pela Corte fez com que 58 juízes recebessem mais de R$ 1 milhão em salários em 2023, conforme levantamento da Transparência Brasil. A instituição figura entre as que pagam os maiores salários do País aos seus membros.
A conselheira da ong República.Org, Vera Monteiro, explica que “o fundamento (técnico-jurídico) para que o Judiciário aprove remuneração extra aos magistrados baseada exclusivamente na passagem do tempo, sem considerar desempenho e o teto (remuneratório do funcionalismo público), está na sua autonomia administrativa e financeira”.
A independência dos órgãos do Poder Judiciário permite que cada tribunal defina como aplicar os recursos dos seus respectivos orçamentos. Esse modelo permite que valores discricionários, que poderiam ser utilizados em investimentos, por exemplo, sejam realocados na concessão de verbas indenizatórias adicionais aos salários dos juízes e desembargadores.
Outro caminho adotado por alguns tribunais é emitir portarias espelhando as decisões do CJF e CNJ que autorizaram o pagamento dos benefícios.
O Estadão revelou que os pagamentos de valores milionários a título de ATS e saldos retroativos do penduricalho nos TJs de São Paulo e Paraná têm sido comunicados por mensagens informais de WhatsApp. Na Corte paranaense, a tônica da eleição para presidente foi marcada por promessas de quem garantiria o maior número de vantagens e asseguraria os depósitos dos valores retroativos do benefício.
Somente em outubro deste ano, o chefe do Poder Judiciário do Paraná autorizou o pagamento de R$ 27,4 milhões aos juízes e desembargadores a título de ATS e Gratificação por Acúmulo de Função (GAF), benefícios estes que são regulamentados por atos do próprio TJPR. O presidente do TJPR, Luiz Fernando Tomasi Keppen, argumenta que os valores foram distribuídos a 12 mil pessoas e são relativos a salários e passivos trabalhistas.
Na discussão em curso sobre o tema no Senado, os principais argumentos contra a volta do Quinquênio estão relacionados ao privilégio setorial e ao impacto financeiro que a medida geraria. Caso passe pelo crivo do Congresso Nacional, a proposta vai gerar um impacto anual de R$ 40 bilhões, de acordo com estimativas do governo federal.
Já as associações e grupos organizados do Poder Judiciário argumentam que o benefício é necessário para compensar defasagens salariais e reter talentos no funcionalismo público.
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