Última visita presidencial à Casa Branca teve promessas e aproximação com direita americana

Contexto mundial era diferente, não havia covid-19, e Bolsonaro prometeu a Trump lealdade total

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Foto do author Beatriz Bulla
Atualização:

Da última vez que um presidente brasileiro esteve na Casa Branca, há quatro anos, o cenário político interno no Brasil e nos Estados Unidos era bem diferente do atual. O contexto mundial também, antes da pandemia de covid-19 e do início da guerra na Ucrânia. Nos jardins da Casa Branca, o ex-presidente Jair Bolsonaro prometeu lealdade total ao republicano Donald Trump, em troca de promessas do americano.

Os principais pontos negociados na última visita não fazem parte do centro da pauta de Luiz Inácio Lula da Silva e do democrata Joe Biden nesta sexta-feira (10) e especialistas questionam o saldo concreto da última visita, de Bolsonaro a Trump.

Chegada de Lula e Janja em Washington para encontro com o presidente americano, Joe Biden nesta sexta-feira. FOTO Ricardo Stuckert/PR Foto: DIV

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Na avaliação do ex-embaixador Rubens Barbosa, houve uma aproximação entre movimentos radicais de direita que culminaram no ataque aos três poderes e na contestação da eleição, no dia 8 de janeiro no Brasil. Já o ex-embaixador Sérgio Amaral, pondera que Trump e Bolsonaro tiveram um encontro positivo, mas questões concretas anunciadas no encontro não dependiam da reunião dos dois. No primeiro caso, do acordo sobre uso da base da Alcântara, Amaral afirma que a negociação já tinha deslanchado antes do governo Bolsonaro.

Sobre o apoio dos americanos à adesão do Brasil como membro pleno da OCDE, Amaral diz que não bastava um sinal de Trump sobre isso, pois o processo é bem mais longo e complexo do que um mero sinal do presidente americano.

O CEO da Amcham, Abrão Neto, afirma que houve avanços importantes no governo Bolsonaro, para a relação bilateral, como o acordo de facilitação de comércio, fechado em 2020, e a entrada do País no programa “Global Entry” (GE) – entrada global, em inglês – que dá mais rapidez no controle de passaporte na chegada aos aeroportos dos EUA, anunciado no ano passado.

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Os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump se encontraram no Salão Oval da Casa Branca em março de 2019. Foto: Reuters / Kevin Lamarque

Aproximação radical

“A relação entre Trump e Bolsonaro produziu o 8 de janeiro. Houve muita aproximação entre os grupos radicais nos dois países. O que aconteceu nos EUA depois da eleição é igual ao que aconteceu aqui. Uma cópia”, afirma Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004. “Houve uma estreita relação entre governo Trump e a parte inicial do governo Bolsonaro, porque não só compartilham posições, mas as pessoas mantinham uma relação muito estreita pelo eixo Steve Bannon, Olavo de Carvalho e os filhos do presidente”, afirma Amaral que, na ocasião, recebeu na embaixada Bannon, ex-assessor de Trump, e Olavo de Carvalho, para um jantar de Bolsonaro com expoentes da direita nos EUA.

“Em termos concretos, o apoio para adesão à OCDE foi significativo, mas não avançou. A questão da base de Alcântara estava praticamente acertada no governo Michel Temer, só foi materializada com Bolsonaro. O resultado que ele buscava não era esse, era o de mostrar a ligação com Trump e a importância que isso teria para o movimento deles (bolsonaristas) no Brasil”, afirma Barbosa.

A principal promessa feita pelos americanos na ocasião, de apoiar o processo de adesão do Brasil a membro pleno na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, demorou a ser cumprido. No mesmo ano, o governo Trump deu prioridade à defesa da entrada da Argentina no chamado clube dos países ricos. Só em 2020, quase um ano depois, o governo Trump defendeu formalmente o Brasil na fila de entrada no órgão. O processo de entrada era uma prioridade para o time econômico de Bolsonaro, mas não é para Lula. Ao receber o chanceler alemão, Olaf Scholz, no Planalto, em janeiro, Lula disse que o Brasil tem interesse em discutir as condições de entrada na OCDE, mas não como um país menor.

Negociação difícil

Durante a passagem de Bolsonaro pelos EUA, na ocasião, Brasil e EUA assinaram o acordo entre Brasil e EUA que permite o uso comercial da base de Alcântara, no Maranhão. “O AST (Acordo de Salvaguardas Tecnológicas sobre base de Alcântara) já estava concluído antes da visita e seria assinado de qualquer forma, por qualquer governo. Com a OCDE, muito bem, mas implica uma negociação de dezenas de protocolos - alguns deles temos acelerado, outros são mais difíceis e outros são novos”, afirma Amaral, que era o embaixador em Washington no momento da visita de Bolsonaro a Trump. “Vejo hoje a negociação da OCDE como muito difícil, além das novas dificuldades impostas existe uma grande hesitação no Brasil sobre o interesse em aderir ou não ao organismo, o que eu acho um equívoco pois a adesão seria boa”, afirma Amaral.

O Brasil também recebeu, dos EUA, o status de aliado-extra OTAN. De outro lado, ofereceu isenção de visto aos americanos que viajam ao Brasil a turismo, sem exigir reciprocidade - o governo Lula discute a possibilidade de reavaliar essa medida.

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Lula chega a Blair House, onde está hospedado em Washington com a comitiva brasileira. REUTERS/Leah Millis Foto: Leah Millis/Reuters

“No caso de Bolsonaro, havia o objetivo de mostrar que ele conseguia arrancar coisas do governo americano, pela relação deles. Lula não está procurando uma reunião para dizer que têm influência nos EUA, está buscando recolocar o Brasil no mundo, afirmar essa aliança com os americanos contra os extremismos. É uma reunião mais política do que outra coisa”, avalia Rubens Barbosa.

Os dois ex-embaixadores lembram que Brasil e EUA terão divergências, mas avaliam que o encontro deve ser concentrado nas convergências atuais de ambos -- em torno de democracia e questão ambiental. Na lista das divergências, Amaral cita, por exemplo, a posição do Brasil em torno da disputa entre China e Estados Unidos, e o posicionamento a respeito da situação política de Cuba e da Venezuela e de como lidar com os dois países, que os EUA sancionam. Lula também quer assumir um protagonismo na negociação de paz na Guerra da Ucrânia que os EUA não parecem dispostos a dar.

Ponto de vista comercial

Do ponto de vista comercial, Bolsonaro e Trump anunciaram medidas pontuais para aliviar barreiras em determinados setores, sob promessa de negociar um amplo acordo de comércio entre os dois países. No final de 2020, ainda no governo Trump, Brasil e EUA assinaram um acordo de facilitação de comércio, colocado em vigor no fim do ano passado, já sob gestão de Biden.

São entendimentos sobre administração aduaneira, boas práticas regulatórias e acordos anticorrupção, que facilitam as trocas entre os dois países. “Houve avanços importantes (nos últimos quatro anos): o AST, o global entry, o acordo mútuo de operadores autorizados, o acordo comercial de três temas, são pontos importantes. Brasil e EUA poderiam ter uma relação ainda mais profunda com comércio e nível de investimentos ainda maior e é essa expectativa que se tem em torno dessa visita, que lance as bases para um aprofundamento nessa direção”, afirma o CEO da Amcham Brasil, Abrão Neto.

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Segundo ele, tanto AST, como o Global Entry, por exemplo, são temas que já faziam parte da agenda comum dos dois países há muito tempo e que deslancham quando há oportunidade política. De outro lado, afirma Abrão, há pautas que seguem sem resolução, como um acordo para evitar a bitributação.

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