BRASÍLIA– Escolhida como relatora de um projeto para substituir a Lei de Segurança Nacional (LSN), a deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI) afirmou ao Estadão/Broadcast que a intenção da Câmara é revogar a atual legislação, criada na ditadura militar. Segundo a parlamentar, no lugar será votada a chamada “Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito”, que pressupõe, entre outros pontos, instituir o crime de “golpe de estado”, inexistente na legislação atual nestes termos.
O novo texto terá como base um projeto apresentado em 2002 pelo então ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior. O projeto original prevê ainda punições para práticas como incitar guerra civil, insurreição e espionagem. “O que nós temos é uma Lei da Segurança Nacional que é antidemocrática, feita antes da Constituição, um entulho autoritário. Não foi recepcionada em grande parte da Constituição, mas ela continua vigente e sendo aplicada e bastante aplicada recentemente”, afirmou Margarete, que pretende apresentar um texto final apenas na semana que vem.
A mudança na legislação tem o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que vai sugerir hoje dar urgência ao projeto, o que permitirá uma análise expressa, sem a necessidade de passar por comissões. O Estadão apurou que a expectativa na Casa é que o texto seja votado em aproximadamente duas semanas.
Cada vez mais utilizada pela gestão do presidente Jair Bolsonaro para enquadrar opositores e críticos do governo, a Lei de Segurança Nacional enfrenta resistência no Supremo Tribunal Federal (STF). Em vigor no País desde 1983, durante a etapa final do governo de João Figueiredo, a legislação prevê pena de até quatro anos de prisão para quem difamar o chefe do Executivo, atribuindo a ele fato “definido como crime ou ofensivo à reputação”.
Ao discutir a revogação da lei, a Câmara pretende se antecipar à Corte, que previa reduzir o alcance da LSN. Ao menos cinco ações de partidos políticos, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, questionam trechos da legislação atual.
A revisão da lei foi defendida na manhã desta quarta-feira, 7, pelo ministro Luís Roberto Barroso em seminário virtual promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Para o ministro, a legislação tem “inconstitucionalidades variadas” e precisa de revisão.
No mesmo evento, Lira disse que buscará apoio dos partidos para aprovar a nova lei. “Com toda a altivez necessária, com um tempo mínimo para que o Legislativo produza e acomode os efeitos da lei que será aprovada no Congresso Nacional”, disse o deputado no seminário.
A versão atual do projeto criminaliza a prática de “impedir ou tentar impedir, mediante violência ou grave ameaça, a manifestação pacífica de partidos ou grupos políticos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos”, com pena de prisão de um a quatro anos.
Em outro trecho, o projeto prevê como golpe de estado “tentar, o funcionário público civil ou militar, depor o governo constituído ou impedir o funcionamento das instituições constitucionais”. Neste caso, a punição prevista é de quatro a 12 anos de detenção.
Na avaliação do advogado Cristiano Maronna, “a criminalização expressa do golpe de estado tem um sentido didático”. “A LSN é a expressão da doutrina da segurança nacional, uma doutrina autoritária de um período autoritário. A inspiração da proposta do Reale é outra, concebida em defesa da democracia, enquanto a LSN foi concebida em defesa da ditadura”, afirmou ele, que é diretor da Plataforma Justa.
Para o deputado Fabio Trad (PSD-MS), ex-presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no seu Estado, no entanto, ameaças de rompimento democrático – como Bolsonaro já chegou a sugerir – não seriam enquadradas na nova legislação.
“Este tipo penal exige condutas que não deixem dúvida a respeito da intenção antidemocrática. Há de haver nítida conotação golpista”, afirmou Trad. STF. Embora ministros do Supremo critiquem a atual legislação, a LSN já foi utilizada não só pelo governo Bolsonaro, mas também pela própria Corte. A regra serviu, por exemplo, para fundamentar a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), após o parlamentar gravar um vídeo com ameaças e insultos a magistrados e fazer apologia ao Ato Institucional número 5 (AI-5), o instrumento mais duro de repressão do governo militar.
A LSN também foi usada para fechar o cerco à militância digital bolsonarista em outro inquérito que atormenta o Planalto: o dos atos antidemocráticos. “Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, escreveu Augusto Aras, ao solicitar a abertura de investigação sobre a organização e o financiamento das manifestações que pediam intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF.
A lei serviu, ainda, para a Polícia Civil do Rio intimar o youtuber Felipe Neto (após o influenciador digital chamar Bolsonaro de “genocida”) e para o Ministério da Justiça pedir a investigação da publicação de uma charge na qual Bolsonaro aparece transformando a cruz vermelha (símbolo de hospitais) na suástica nazista. O Ministério da Justiça também solicitou abertura de inquérito contra o colunista Hélio Schwartsman por ele ter escrito artigo no jornal Folha de S.Paulo intitulado “Por que torço para que Bolsonaro morra”.
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