RIO - “Moeda corrente do País contada e achada certa.” Com pequenas mudanças, essa expressão, que, segundo funcionários de cartórios, significa pagamento em dinheiro vivo, se repete em escrituras de compra e venda de imóveis pelos políticos da família Bolsonaro, obtidas pelo Estadão. A prática não é ilegal, mas é vista com desconfiança por órgãos de controle e investigação, como o Ministério Público. O motivo é que esses recursos aparentemente não passam pelo sistema bancário, o que torna difícil ou até impossível rastrear se sua origem é lícita. O presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL, demonstrou não ver problema no procedimento. A família em geral atribui as denúncias a “perseguição”.
Entre os Bolsonaros envolvidos com política, o comportamento vem de décadas. Em 12 de maio de 2006, por exemplo, o então deputado Jair Bolsonaro e Ana Cristina Siqueira Valle, sua então mulher, compareceram ao cartório do 17º Ofício de Notas do Rio. Foram fechar a compra de uma casa na Rua Divisória , 30, casa XV, e respectivo terreno. Os vendedores foram um dos irmãos do hoje presidente, Renato Antonio Bolsonaro, e sua mulher, Maria Aparecida Leite Bolsonaro. O preço de R$ 40 mil foi todo quitado no ato, em cédulas de reais. Se corrigido pela inflação oficial (IPCA) medida até julho de 2022, o total chegaria hoje a R$ 99,4 mil.
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UMMYSEN4YFCEFKBFIZFLYY5ZK4.png?quality=80&auth=9024c1bfb5c389c6691687c2e56f5e44d8c9febc5ceb8cfd0fd24dcc035a5377&width=329 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UMMYSEN4YFCEFKBFIZFLYY5ZK4.png?quality=80&auth=9024c1bfb5c389c6691687c2e56f5e44d8c9febc5ceb8cfd0fd24dcc035a5377&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UMMYSEN4YFCEFKBFIZFLYY5ZK4.png?quality=80&auth=9024c1bfb5c389c6691687c2e56f5e44d8c9febc5ceb8cfd0fd24dcc035a5377&width=938 1322w)
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/IOWVYBBB6VNRRDGBE57KBRUUCA.jpg?quality=80&auth=703a00bbe87776ae2a8f06570cfb8c74b09f8517a9459bdab6af2683be56a136&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/IOWVYBBB6VNRRDGBE57KBRUUCA.jpg?quality=80&auth=703a00bbe87776ae2a8f06570cfb8c74b09f8517a9459bdab6af2683be56a136&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/IOWVYBBB6VNRRDGBE57KBRUUCA.jpg?quality=80&auth=703a00bbe87776ae2a8f06570cfb8c74b09f8517a9459bdab6af2683be56a136&width=1200 1322w)
Três anos antes, em 3 de junho de 2003, o filho “Zero Dois” do presidente, vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), então com 20 anos de idade e no primeiro mandato na Câmara Municipal do Rio, foi ao mesmo cartório. Pagou, por um apartamento na Tijuca, na zona norte carioca, R$ 150 mil, em “moeda corrente do País, contada e achada certa”, segundo a escritura. Corrigido pela inflação medida pelo IPCA, o valor, em julho de 2022, seria de R$ 441.501,34.
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/HLO7ES26VNFHBPGQ46URJAXVUU.png?quality=80&auth=341490a0ab4312288b500b9a06f61c5b383d862d973397ddd6ca0a2960f0d534&width=329 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/HLO7ES26VNFHBPGQ46URJAXVUU.png?quality=80&auth=341490a0ab4312288b500b9a06f61c5b383d862d973397ddd6ca0a2960f0d534&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/HLO7ES26VNFHBPGQ46URJAXVUU.png?quality=80&auth=341490a0ab4312288b500b9a06f61c5b383d862d973397ddd6ca0a2960f0d534&width=938 1322w)
Já Eduardo Bolsonaro, atualmente deputado federal pelo PL de São Paulo, quitou quase um terço de uma transação imobiliária em dinheiro vivo, segundo escritura do 24º Ofício de Notas. Em 3 de fevereiro de 2011, Eduardo comprou um apartamento em Copacabana por R$ 160 mil. Pagou R$ 110 mil por cheque administrativo e R$ 50 mil “através de moeda corrente do País, tudo conferido, contado e achado certo”. Onze anos depois, esse valor, corrigido pelo IPCA, quase dobrou: chegou a R$ 99.489,76 de acordo com os índices de inflação medidos até julho de 2022.
Eleito para seu primeiro mandato em 2014 e empossado em 2015, Eduardo Bolsonaro comprou, em 29 de dezembro de 2016, um apartamento em Botafogo por R$ 1 milhão. De acordo com a escritura do 17º Ofício de Notas, o parlamentar pagou, no ato da compra, R$ 100 mil. Em julho de 2022, seriam R$ 134.664,06, segundo correção pelo IPCA. Também financiou R$ 800 mil pela Caixa Econômica Federal e pagou um sinal de R$ 81,038,28 e uma parcela de R$ 18.961,72 – não há mais detalhes da maneira como foram pagos.
Um projeto do senador Flávio Arns (Podemos-PR) que proíbe o uso de dinheiro em espécie em transações imobiliárias está parado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O texto tenta evitar lavagem de dinheiro nessas operações. Mas não deverá avançar pelo menos até o fim das eleições, apesar das notícias envolvendo a família Bolsonaro e imóveis adquiridos em dinheiro vivo.
Quando o projeto estava na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) votou contra a proposta, em 2021.Ele tentou pedir vista da proposição, o que a tiraria de pauta.
Presidente reage a questionamentos
Abordado por repórteres nesta terça-feira, 30, o presidente reagiu com irritação a perguntas sobre as compras de imóveis pelo clã, apontadas inicialmente em reportagem do UOL. “Qual é o problema de comprar com dinheiro vivo algum imóvel? Eu não sei o que está escrito na matéria... Qual é o problema?”, questionou, impaciente, após evento promovido pela União Nacional do Comércio e dos Serviços (Unecs) em Brasília.
![](https://www.estadao.com.br/resizer/v2/7PFAF2KBLVKKHO5PARH72FEASU.jpg?quality=80&auth=61aad8ad3a81b2451c8f5f0891f763119838bea923b516d3928ff5615444103b&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/7PFAF2KBLVKKHO5PARH72FEASU.jpg?quality=80&auth=61aad8ad3a81b2451c8f5f0891f763119838bea923b516d3928ff5615444103b&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/7PFAF2KBLVKKHO5PARH72FEASU.jpg?quality=80&auth=61aad8ad3a81b2451c8f5f0891f763119838bea923b516d3928ff5615444103b&width=1200 1322w)