Veja como ministros do STF votaram sobre Testemunhas de Jeová e transfusão de sangue

Por unanimidade, ministros do Supremo decidiram que seguidores da crença podem recusar o procedimento; paciente deve ser maior de idade e escolha não vai se estender a terceiros, como crianças e adolescentes

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Atualização:

BRASÍLIA E RIO – Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram nesta quarta-feira, 25, que os pacientes adeptos do movimento religioso cristão Testemunhas de Jeová têm o direito de se submeter a tratamento médico, inclusive cirurgia, sem transfusão de sangue. O julgamento foi unânime, com dez votos a favor e nenhum contrário. Apenas o ministro Dias Toffoli não votou.

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) Foto: Antonio Augusto/STF

Os magistrados entenderam que o poder público deve custear um tratamento alternativo compatível com a religião do paciente, desde que o custeio não provoque um “ônus desproporcional”.

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Na semana passada, os relatores das ações, ministros Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo, e Gilmar Mendes destacaram que a liberdade religiosa assegura ao paciente a opção de rejeitar a transfusão de sangue e exigir um tratamento que não utilize tal procedimento, desde que a decisão seja tomada de forma livre, consciente e informada das consequências.

O tema foi analisado em dois Recursos Extraordinários (RE), um instrumento processual que permite levar ao STF questionamentos constitucionais.

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De acordo com a associação Testemunhas de Jeová Brasil, que reúne as diversas congregações do País, os adeptos da religião não aceitam transfusão de sangue por convicção religiosa com base em uma interpretação da Bíblia. Segundo eles, “tanto o Velho como o Novo Testamento claramente ordenam a abstenção de sangue”.

“Além disso, para Deus, o sangue representa a vida. (Levítico 17:14) Então, nós evitamos tomar sangue por qualquer via não só em obediência a Deus, mas também por respeito a ele como dador da vida”, diz o site oficial da associação Testemunhas de Jeová Brasil.

Os ministros acordaram que a recusa à transfusão precisa preencher alguns requisitos, como ser manifestada por pacientes maiores de idade, em condições de discernimento e informados pelo médico sobre o diagnóstico, tratamento, riscos, benefícios e alternativas. A escolha não se estende a terceiros.

Luís Roberto Barroso

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso Foto: Antonio Augusto/STF

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou em seu voto que o Estado é obrigado a disponibilizar tratamentos alternativos aos adeptos da crença. Segundo o magistrado, as outras opções devem ser listadas no Sistema Único de Saúde (SUS).

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“Existindo o tratamento no âmbito do SUS em hospital credenciado, me parece fora de dúvida que, caso essa pessoa não tenha condições de custeá-lo com os próprios meios, o Estado, em nome do direito à saúde, deve fazê-lo”, afirmou o presidente do Supremo, relator do processo sobre transfusão de sangue para testemunhas de Jeová durante cirurgias.

Gilmar Mendes

O decano do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes Foto: Antonio Augusto/STF

O decano do STF, Gilmar Mendes, disse em seu voto que os brasileiros são livres para decidir a qual tratamento médico devem ser submetidos. O ministro afirmou que a vontade pessoal deve ser respeitada, apesar de parecer “irracional, imprudente e ilógicas” a outras pessoas.

“Para que essa liberdade seja significativa, os pacientes devem ter o direito de fazer escolhas de acordo com suas opiniões e valores, independentemente de quanto possam parecer irracionais, imprudentes e ilógicas aos outros”, afirmou o relator do processo relativo a tratamentos alternativos em caso de recusa de paciente sobre transfusão de sangue em cirurgias.

Flávio Dino

Flávio Dino, ministro do STF  Foto: Gustavo Moreno/STF

Primeiro ministro a se posicionar após o voto dos relatores, Flávio Dino afirmou que o direito à recusa de transfusão de sangue entra em acordo com os preceitos do estado laico. Segundo Dino, a laicidade prevista na Constituição protege a liberdade religiosa e a autonomia dos pacientes em decidir a quais tratamentos médicos querem ser submetidos.

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“A laicidade não é contra Deus. Isso é um princípio, um postulado que preside esse julgamento. Entre os retrocessos civilizacionais, está a tentativa de imposição de visões teocráticas por intermédio das instituições jurídicas e do discurso político. A laicidade protege a liberdade religiosa. Só é possível existir religião com Estado laico”, disse.

André Mendonça

O ministro do STF André Mendonça Foto: Wilton Junior/Estadão

Acompanhado os relatores, André Mendonça destacou que os médicos não vão poder registrar possíveis crimes e ilicitudes cometidos pelos pacientes por recusar as transfusões de sangue. Segundo o ministro, o entendimento vai impedir que denúncias sejam feitas às corregedorias internas dos órgãos de saúde e corporações policiais.

“Se é um direito do paciente, não é um dever do médico fazer uma representação sobre um eventual ilícito cometido por esse paciente”, afirmou.

Cristiano Zanin

O ministro do STF Cristiano Zanin Foto: Wilton Junior/Estadão

O ministro Cristiano Zanin seguiu o entendimento dos outros magistrados e destacou que a religião dos pais não pode impedir a transfusão de sangue em pacientes menores de idade. Segundo o ministro, a orientação médica deve prevalecer nesses casos.

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“Para criança e adolescente, não pode ter a substituição pela vontade dos pais. Aqui deve prevalecer, efetivamente, o melhor interesse, de forma que cabe ao médico dar a orientação correta sobre o tratamento a ser realizado. Inclusive, sobre a necessidade ou não de fazer a transfusão de sangue”, afirmou Zanin.

Edson Fachin

O ministro do STF Edson Fachin Foto: Wilton Junior/Estadão - 21/9/2023

O ministro Edson Fachin também concordou com a validade da recusa apenas em caso de pacientes adultos. Para o magistrado, quando os pacientes são crianças e adolescentes, a intervenção médica é necessária devido à “condição de vulnerabilidade” dos menores.

“Subscrevo a preocupação com as crianças e os adolescentes, tendo em vista a condição de vulnerabilidade. Aqui, a intervenção que se coloca atinge outro patamar do ponto de vista do exercício da liberdade”, disse Fachin no voto.

Alexandre de Moraes

O ministro do STF Alexandre de Moraes Foto: Wilton Junior/Estadão

O ministro Alexandre de Moraes afirmou que a recusa dos adeptos da crença à transfusão de sangue deve ser sempre respeitada diante da “vontade livre, consciente e válida” do paciente. Seguindo o entendimento dos outros ministros, Moraes destacou que a regra não vai valer no caso de menores de idade que dependem do tratamento médico.

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“O Estado não poderia impor às pessoas que professam a crença Testemunha de Jeová uma transfusão de sangue. Desde que, obviamente, a pessoa seja maior e capaz”, disse Moraes.

Kassio Nunes Marques

O ministro do STF Kassio Nunes Marques Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

O ministro Kassio Nunes Marques afirmou que o médico deve ter o direito de recusar a realização do tratamento alternativo solicitado pelo paciente que é testemunha de Jeová. Segundo o magistrado, isso pode ocorrer por falta de estruturas dos centros médicos e incapacidade do profissional de saúde.

“Consagrando a nossa legislação constitucional e infraconstitucional, garante esse direito de recusa ao médico diante de circunstâncias como a falta de estrutura e a falta de expertise do profissional ao fazer um procedimento alternativo”, disse.

Cármen Lúcia

A ministra do STF Cármen Lúcia Foto: Wilton Junior/Estadão

A ministra Cármen Lúcia afirmou que a liberdade religiosa é uma expressão da “liberdade e dignidade humana”, assegurada pela Constituição Federal. Por isso, a ministra disse que os pacientes possuem o direito de negar ou aceitar tratamentos médicos.

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“É preciso que a pessoa saiba do que se cuida e, portanto, qual é a escolha que ela faz. Especialmente, quando se trata, como neste caso, de negativa de um tratamento pela sua liberdade religiosa. Como todas as formas de liberdade, são apenas expressões da liberdade e dignidade humana.”

Luiz Fux

O ministro do STF Luiz Fux Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Para o ministro Luiz Fux, a vontade do paciente “plenamente capaz” deve ser obedecida em todas as situações. Fux disse que, quando esse direito é ferido, há um descumprimento da dignidade pessoal e da autodeterminação.

“Independentemente do motivo da recusa a determinado tratamento ou procedimento médico, deve sempre prevalecer a vontade do paciente plenamente capaz, em respeito à dignidade da pessoa humana, a autodeterminação e a saúde.”

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