BRASÍLIA - Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram nesta segunda-feira, 8, a interpretação da Constituição Federal difundida por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que permitiria a atuação das Forças Armadas como um “poder moderador” sobre os Três Poderes da República em crises institucionais. O julgamento, que começou na última sexta, 29, teve o placar final de 11 a 0.
Durante o julgamento, os ministros endossaram as considerações do relator do processo, ministro Luiz Fux, que concluiu que a Constituição não prevê a existência de um “poder moderador”. Os magistrados também registraram que as Forças Armadas são subordinadas ao Executivo, e as suas ações devem ser supervisionadas pelo Judiciário e pelo Legislativo.
A ação julgada pelo STF foi apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 2020. O partido questionou o Supremo sobre interpretações do artigo 142 da Constituição Federal, que trata dos deveres das Forças Armadas. Nos últimos anos, bolsonaristas frequentemente utilizam o trecho para defender uma intervenção militar “dentro da legalidade”.
O julgamento foi realizado de forma virtual pela Corte. Além de Fux, os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Gilmar Mendes publicaram os seus votos por escrito. Já os ministros André Mendonça, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques apenas acompanharam o relator e não divulgaram as suas considerações.
Confira os votos dos ministros do STF
Luiz Fux
- Não existe no sistema constitucional a função de poder moderador;
- Para o ministro, a Constituição não encoraja ruptura democrática;
- É inadmissível o emprego das Forças Armadas para a defesa de um Poder contra o outro;
- O dever das Forças Armadas é a de proteger todos os Três Poderes contra ameaças alheias, e não a de intervir em conflitos institucionais.
O ministro relator da ação, Luiz Fux, declarou em seu voto que a Constituição Federal não permite uma intervenção militar. Segundo Fux, as Forças Armadas não constituem um Poder, e sim instituições militares que estão à disposição do Executivo, Legislativo e Judiciário.
Segundo o relator, o dever que a Constituição assegura às Forças Armadas é a de agir em defesa da lei e da ordem para defender os Três Poderes de um golpe militar, entre outros tipos de interferências externas. Fux pontuou que, na Constituição, não existe uma previsão da atuação dos militares em crises institucionais.
Fux também pontuou que não está previsto “qualquer espaço à tese de intervenção militar, tampouco de atuação moderadora das Forças Armadas”.
“Qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição”, disse o ministro em seu voto, acrescentando ser urgente “constranger interpretações perigosas que permitam a deturpação do texto constitucional e de seus pilares e ameacem o Estado Democrático de Direito”, afirmou o relator.
Flávio Dino
- Não existe um poder militar;
- A Constituição assegura que há apenas poderes civis, sendo eles o Executivo, o Legislativo e o Judiciário;
- A função militar é subalterna aos Três Poderes;
- Devem ser eliminadas quaisquer teses que ultrapassem ou fraudem o real sentido do artigo 142 da Constituição.
O ministro Flávio Dino declarou em seu voto que não existem interpretações que permitem uma intervenção das Forças Armadas. O ministro também registrou que a Constituição não estabelece a existência de um “poder moderador” e sim a dos três poderes civis: Legislativo, Executivo e Judiciário.
“Lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um “poder militar”. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna”, afirmou Dino.
Dino ainda usou o seu voto para criticar a ditadura militar (1964-1985), período que ele chamou de “abominável”. “O Estado de Direito foi destroçado pelo uso ilegítimo da força”, pontuou. “São páginas, em larga medida, superadas na nossa história. Contudo, ainda subsistem ecos desse passado que teima em não passar, o que prova que não é tão passado como aparenta ser”, completou.
Gilmar Mendes
- Interpretação errônea do artigo 142 reflete o processo de protagonismo político das cúpulas militares no País;
- A Constituição Federal não admite qualquer tipo de “politização dos quartéis”;
- O emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem devem ser feitos sob a supervisão do Poder Legislativo e do Poder Judiciário.
O decano do STF, ministro Gilmar Mendes, também rejeitou a interpretação de um “poder moderador” e afirmou que a tese passou a ser veiculada após um “processo de reivindicação de protagonismo político” dos militares. Segundo ele, o fenômeno se aprofundou com a eleição de Bolsonaro em 2018.
No voto, Gilmar também relacionou a violência dos atos golpistas de 8 de Janeiro com as reivindicações dos quartéis. Segundo o magistrado, os ataques aos Três Poderes não pode ser devidamente compreendida “se dissociada desse processo de retomada do protagonismo político das altas cúpulas militares”.
Gilmar também afirmou que via com “perplexidade” a necessidade de uma atuação do STF para “afastar certas pretensões que seriam consideradas esdrúxulas na vasta maioria das democracias constitucionais”. O decano, porém, considerou que o julgamento serviu para reafirmar que a “Constituição não admite soluções de força”.
“Diante de tudo o que temos observado nesses últimos anos, todavia, faz-se necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal para reafirmar o que deveria ser óbvio: o silogismo de que a nossa Constituição não admite soluções de força”, pontuou o ministro.
Cristiano Zanin
- Interpretação sobre “poder moderador” das Forças Armadas é “totalmente descabida”;
- As Forças Armadas são diretamente subordinadas ao Presidente da República;
- A Constituição Federal deixa claro a existência de apenas três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Cristiano Zanin classificou como “totalmente descabida” a interpretação de que as Forças Armadas podem intervir como um “poder moderador” durante crises institucionais. O ministro pontuou que não se pode cogitar uma prevalência das instituições militares diante dos demais poderes constitucionais.
“Logo, revela-se totalmente descabido cogitar-se que as Forças Armadas teriam ascendência sobre os demais Poderes, uma vez que estão subordinadas ao Chefe do Poder Executivo e devem atuar em defesa dos Poderes constitucionais - afastando-se de qualquer iniciativa de índole autoritária ou incompatível com a Lei Maior”, afirmou Zanin.
O ministro também ressaltou que a Constituição estabelece a subordinação das instituições militares ao presidente da República. As ações feitas pelo chefe do Executivo, por sua vez, estão sempre sujeitas aos “limites impostos” pela Carta Magna.
Cármen Lúcia
- Qualquer atuação fora da regularidade constitucional democrática é ilícita;
- O “poder moderador” das Forças Armadas é um “delírio antijurídico ou desvario antidemocrático”;
- As Forças Armadas nunca receberam a condição de Poder, nem mesmo a de moderador;
Nesta sexta-feira, 5, a ministra Cármen Lúcia disse em seu voto que o “poder moderador” não está previsto na Constituição. Segundo a magistrada, qualquer interpretação da lei que deduza a atuação das Forças Armadas desta forma é um “delírio antijurídico ou desvario antidemocrático”.
“Qualquer referência à interpretação de norma legal que confronte os termos expressos dos artigos 1º e 2º da Constituição do Brasil é delírio antijurídico ou desvario antidemocrático, não é interpretação constitucional. Nem mesmo os poderes constitucionais – Legislativo, Executivo e Judiciário – estão acima nem podem atuar contra a Constituição”, disse.
Cármen Lúcia considerou que as Forças Armadas são uma instituição “permanente e regular”, cuja qualquer atuação fora da regularidade constitucional é ilícita.
A magistrada também destacou que a Carta Magna não apresenta “sequer referência” de uma permissão para que as Forças Armadas atuem de forma excedente ou autônoma em relação aos Três Poderes. “Golpear a Constituição desbordando do que nela definido para sua atuação é inconstitucional, ilegítimo, antidemocrático e inválido”, disse.
Alexandre de Moraes
- O “poder moderador” é uma “pífia, absurda e antidemocrática interpretação golpista”;
- O presidente da República que convocar as Forças Armadas para intervir nos outros Poderes estará cometendo crime de responsabilidade;
- O poder civil, exerce soberania sobre as autoridades militares;
- Em uma hipótese de Estado de sítio, as Forças Armadas vão estar à vigilância das autoridades constitucionais, representadas pelo Legislativo e pelo Judiciário.
Também na sexta-feira, o ministro Alexandre de Moraes considerou que a interpretação do “poder moderador” é uma “pífia, absurda e antidemocrática interpretação golpista”.
O ministro também afirmou que o presidente da República que convocar as Forças Armadas para intervir nos outros Poderes estará cometendo crime de responsabilidade, e a cassação do mandato deve ser julgada pelo Congresso Nacional. “A gravidade maior do estado de sítio exige, em regra, prévio controle político a ser realizado pelo Congresso Nacional, ou seja, prévio controle do poder Legislativo civil”, disse.
Moraes pontuou, por sete vezes, que o poder civil exerce soberania sobre as autoridades militares. O ministro relembrou que, em casos de estado de sítio e Garantia da Lei e da Ordem (GLO), as Forças Armadas estarão sempre submetidas “à vigilância das autoridades constitucionais”, representadas pelo Legislativo e pelo Judiciário.
“Nos Estados Democráticos de Direito, jamais, houve dúvidas sobre a supremacia da autoridade civil sobre a autoridade militar, nem mesmo nos momentos excepcionais do ‘sistema constitucional das crises’, em respeito à divisão de Poderes entre os ramos Executivo, Legislativo e Judiciário”, disse o ministro.
Dias Toffolli
Nesta segunda-feira, 11, o voto do ministro Dias Toffoli concluiu o julgamento e selou a unanimidade da Corte. Toffolli acompanhou o relator e as ressalvas apresentadas pelo ministro Luiz Fux, para que o teor do acórdão fosse difundido entre corporações militares do País.
Para contextualizar a decisão, Toffoli citou uma palestra que proferiu sobre o tema em 2014. A conferência acabou sendo transcrita para um artigo e trata sobre a legitimidade de um “poder moderador” conferido às Forças Armadas. A conclusão do ministro é de que, na história do Brasil, as corporações militares foram incumbidas desta prerrogativa “de forma irregular e anômala”.
“O papel constitucional das Forças Armadas não configura função estatal destacada da estrutura da tripartição dos poderes ou esfera independente de manifestação da vontade soberana do estado”, conclui Toffoli.
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