Se havia uma lição que o segundo governo Dilma Rousseff, encerrado antecipadamente há dois anos, parecia ter legado é que resulta em desastre fazer uma campanha escondendo o que se vai fazer, escamoteando a realidade e pregando algo em que não se acredita.
Dilma empurrou a crise econômica que já mostrava os dentes para debaixo do tapete na campanha, não avisou que, uma vez reeleita, teria de fazer um ajuste na sua destrambelhada política econômica, chamou Joaquim Levy, com quem não tinha nenhuma afinidade de pensamento e que não durou muito tempo, e o resultado foi o impeachment.
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A recessão profunda que legou ao País deveria ter mostrado que, em economia, é preciso colocar as cartas na mesa já de saída, e de preferência a partir de uma crença genuína no caminho a seguir.
Mas a lição não parece ter sido assimilada por todos os candidatos. Neste início de campanha, tem-se postulantes pisando em ovos na hora de expor as ideias para desafios imediatos e graves na política econômica e fiscal. Isso quando não vendem um peixe liberal que, quando desembrulhado, de liberal não tem nada.
Depois de um período na moita, optando apenas por fazer aparições como celebridade para públicos já conquistados, Jair Bolsonaro aceitou o convite para um jantar com jornalistas e empresários, na semana passada. Disse que está fazendo preparação para se mostrar menos estourado, e demonstrou, nas respostas, ter usado o evento como um ensaio também de suas, vá lá, propostas.
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Ao enunciar um programa pretensamente liberal para a economia, que não condiz em nada com sua trajetória de sete mandatos parlamentares, o deputado deixa clara, nas entrelinhas, sua falta de fé naquilo que professa. Privatizações? Sim, mas não nesse, naquele e nem naquele outro setor. E nunca para quem eu não gosto – excluir a China do cenário de parceiros comerciais por questões ideológicas, como ele fez na resposta, já mostra o total desconhecimento do mapa da economia mundial.
Reforma da Previdência? Sim, vamos fazer, mas vai ser mais branda e mais gradual que a proposta apresentada por Michel Temer – quando se sabe que aquela já estava para lá de mitigada, e que, se fosse aprovada, demandaria outra num curto espaço de tempo.
Não há nada de liberal nem de reformista no pensamento de Bolsonaro. O próprio modo como ele diz ter conhecido e se aproximado do economista Paulo Guedes – este sim um liberal de quatro costados – mostra total desinteresse pelo tema, apenas a conveniência de se cercar de alguém “palatável” ao mercado. Mais um item no qual ele parece estar passando por treinamento.
Outro que passou as últimas semanas fazendo acenos aos agentes econômicos, sobretudo ao setor produtivo, foi Ciro Gomes. Mas também no seu caso há interrogações no ar em matéria de propostas econômicas.
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O time que o assessora tem Mauro Benevides Filho no comando da parte econômica. Não se trata de alguém conhecido pelas ideias econômicas, mas tem a credenciá-lo gestões consideradas exitosas no Ceará no campo da responsabilidade fiscal. No entanto, no time do programa de governo também pontificam Nelson Marconi Filho, da linha do novo desenvolvimentismo da FGV-SP, e o filósofo Roberto Mangabeira Unger, cujas ideias viajam num certo nacionalismo pós-moderno.
Quem dará a linha? O próprio Ciro, que tem no “deixa comigo” uma característica conhecida. Já fez restrições à reforma trabalhista, à mudança do modelo de leilões do pré-sal, à necessidade de reformar a Previdência e por aí vai. Nitidez no campo econômico é algo crucial nesta eleição. Se, de novo, o Brasil eleger alguém que dará um cavalo de pau no que prometeu na campanha uma vez eleito, o desastre pode ser ainda maior que Dilma.
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