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Os bastidores do Planalto e do Congresso

Análise|Aliados do governo e ministros do Supremo pressionam Lula por mais mudanças na Abin

Avaliação é a de que diretor-geral também deve cair para Planalto não ser surpreendido por nova espionagem política do bolsonarismo; quatro mulheres vão assumir chefias de departamentos

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Foto do author Vera Rosa
Atualização:

É cada vez mais forte a pressão para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demita toda a cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e reformule radicalmente a instituição. Lula já jogou ao mar o número 2 da Abin, Alessandro Moretti, e, até agora, tenta preservar o diretor-geral, Luiz Fernando Corrêa, que sempre foi homem da sua confiança. Nos bastidores, porém, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) cobram do presidente a substituição de Corrêa.

Até aliados do governo defendem a mudança no modelo da Abin, que há tempos se tornou uma central de arapongagem de adversários. O escândalo veio à tona com as investigações envolvendo o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho ‘02′ do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Abin. Os dois foram alvo de operações de busca e apreensão da Polícia Federal.

Diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, é alvo de ataques e pode perder o cargo. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

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Em conversas reservadas, ministros do STF dizem não ver explicação para o fato de Luiz Fernando Corrêa ter escalado Moretti, conhecido por suas ligações com Bolsonaro, para ser seu braço direito na Abin.

Dois desses magistrados fizeram chegar ao Planalto a avaliação de que Corrêa também tem “responsabilidade política” pelos desvios e, se não for trocado, a crise baterá com mais força à porta do Palácio do Planalto.

Troca de número 2 indica maior controle sobre a agência

O diagnóstico é o de que o “personograma”, nesse momento, é mais importante do que o “organograma”. Lula ainda resiste a dispensar Corrêa, que chefiou a PF no seu segundo governo, de 2007 a 2010, e no início da gestão de Dilma Rousseff, em 2011. Mas a dança das cadeiras avança.

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A edição extra do Diário Oficial da União trouxe, na noite desta terça-feira, 30, não apenas a demissão de Moretti como a de sete diretores. Quatro mulheres assumirão a chefia de departamentos. Para a vaga de diretor adjunto Lula chamou o cientista político Marco Cepik, referência acadêmica na área de serviços de inteligência. A nomeação foi interpretada na Praça dos Três Poderes como um sinal de que o governo quer exercer maior controle sobre a Abin.

“É uma situação política grave”, admitiu o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). “A Abin deve passar por uma profunda reformulação e deixar de ser polícia política, que fica bisbilhotando adversários. Do jeito que está, a agência virou um SNI secreto”, emendou Guimarães, numa referência ao Serviço Nacional de Informações, que funcionou na época da ditadura militar.

Deputados do PT já começam a se debruçar sobre projetos de lei para apresentar ao Congresso, com o objetivo de reformar a Abin. Uma das ideias é exigir que apenas oficiais da carreira comandem a agência. Se aprovada, a medida impedirá que integrantes da Polícia Federal, ainda que aposentados, ocupem esse cargo.

Além de Corrêa, Ramagem e outros diretores-gerais da Abin eram oriundos da PF. Atualmente, Ramagem é pré-candidato à Prefeitura do Rio, com apoio do clã Bolsonaro, e as acusações de que teria ajudado a família do ex-presidente com informações privilegiadas sobre inquéritos e operações da PF podem comprometer sua entrada no páreo.

Ramagem é pré-candidato à Prefeitura do Rio, com apoio do clã Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão  Foto: ESTADAO

A retirada de integrantes da PF dos quadros da Abin não garante, no entanto, a “descontaminação” pretendida pelo governo. Em março do ano passado, por exemplo, dois meses após os atos golpistas de 8 de Janeiro, a Abin saiu do guarda-chuva militar do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e passou a ser subordinada à Casa Civil. Não foi isso que resolveu o problema.

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Bolsonaro joga ‘War’ enquanto cerco se fecha

O Congresso é, até hoje, o grande ausente nessa discussão. Em carta aberta à sociedade, a União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Abin (Intelis) destacou que a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência tem se mostrado “pouco atuante” nas sucessivas legislaturas.

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“Como é possível proteger o Brasil da espionagem estrangeira, do terrorismo e do extremismo antidemocrático sem executar ações de caráter sigiloso?”, perguntam os signatários do documento. “Uma instituição de Estado pode ser utilizada de forma indevida por seus dirigentes, especialmente se estes tiverem pretensões político-partidárias, como é o caso que ora se investiga. Porém, o debate sobre seus quadros técnicos e sobre a utilidade da instituição para a sociedade precisa ser desvinculado de discussões conjunturais sobre eventuais desvios promovidos por gestões passadas.”

A disputa fratricida entre grupos da Polícia Federal e da Abin é antiga e, por isso, o governo também deve agir com cautela para não fazer uma caça às bruxas de forma açodada. De qualquer forma, tudo leva a crer que os “encanadores” aloprados de Bolsonaro vazaram segredos de Estado.

“Os elementos de prova colhidos até o momento indicam, de maneira significativa, que a organização criminosa infiltrada na Abin também se valeu de métodos ilegais para a realização de ações clandestinas direcionadas contra pessoas ideologicamente qualificadas como opositoras”, observou o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do caso, em um de seus despachos.

Bolsonaro diz ser vítima de uma “perseguição implacável” e nega que, em seu governo, tenha sido montado um “gabinete do ódio”, como revelado pelo Estadão, para atingir adversários. “Agora vão para cima da tal Abin paralela. Isso não existe, meu Deus do céu!”, afirmou.

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O ex-presidente sabe, porém, que o cerco está se fechando. Mesmo assim, garante que vai participar da campanha deste ano contra Lula, principalmente em São Paulo, a joia da coroa. “Não jogamos a toalha. Jogamos ‘War’, que exige estratégia e paciência”, desconversa. Quem viver, verá.

Análise por Vera Rosa

Repórter especial do ‘Estadão’. Na Sucursal de Brasília desde 2003, sempre cobrindo Planalto e Congresso. É jornalista formada pela PUC-SP. Escreve às quartas-feiras

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