Jair Bolsonaro previu “dias tenebrosos” pela frente às vésperas do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que começa nesta quinta-feira, 22, e pode torná-lo inelegível por oito anos. Mesmo assim, não se deu por vencido. Diante de uma plateia de apoiadores, Bolsonaro avisou que continuará na política, “haja o que hajar” (sic).
A folclórica frase de Vicente Matheus, que comandou o Corinthians por 18 anos, durante vários mandatos, e o clássico “Vocês vão ter que me engolir”, da autoria de Zagallo – à época técnico da seleção – têm sido usados com certa frequência pelo ex-presidente para dissipar o clima tenso. Mas há também uma preocupação da cúpula do PL com o tamanho da provável derrota no TSE. Em outras palavras: para que Bolsonaro tenha alguma chance de sobrevida, o placar não pode ser de 7 a 0 contra ele.
A expectativa de seus aliados é a de que Nunes Marques, penúltimo a votar, peça vista do processo (mais tempo para análise) e adie o desfecho do julgamento. O magistrado foi o primeiro nome indicado por Bolsonaro para compor o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020.
Pelo sim, pelo não, a estratégia do PL – que sonha em fazer 1.200 prefeitos e assumir o papel do antigo MDB – consiste em carimbar o ex-inquilino do Palácio do Planalto como “vítima” de perseguição política e jurídica.
Nesta quarta-feira, 21, por exemplo, Bolsonaro apareceu de surpresa no Senado, enquanto se desenrolava a sabatina do advogado Cristiano Zanin, nome escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ocupar uma vaga no Supremo. Disse que a ação contra ele no TSE é “frágil” e cobrou “coerência” do tribunal, que no passado absolveu a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer da denúncia de abuso do poder político. “Esqueceu” de mencionar, no entanto, que aquela chapa não foi acusada de ter tramado um golpe de Estado.
“Quem falou que eu tramei um golpe? Nunca vi golpe sem armas. Eu sempre joguei dentro das quatro linhas (da Constituição). Não pode a jurisprudência (do TSE) mudar de acordo com a ideologia”, reclamou, ao lado de deputados e senadores do PL.
Ao que tudo indica, a ficha de Bolsonaro caiu, mas pode ser tarde demais. O PL, por sua vez, vai aproveitar a popularidade que o capitão reformado do Exército ainda tem para investir em seu desempenho como cabo eleitoral nas disputas de 2024.
Seria uma tarefa simples se os fatos não conspirassem contra Bolsonaro, com instruções para intervenção militar descobertas no celular de seu ajudante de ordens, minuta de golpe na casa de um ex-ministro da Justiça e escândalo das joias da Arábia Saudita batendo à sua porta. Apesar de tudo, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, adota discurso otimista e tenta fazer do limão uma limonada.
“Se acontecer um desastre e Bolsonaro ficar inelegível, ele transfere mais uns 15% a 20% de votos para quem for apoiar”, disse Valdemar à coluna, sob o argumento de que pesquisas em poder do partido comprovam esse cálculo. “Sem ser candidato e estando inelegível, ele não transfere sua rejeição.”
Embora Valdemar diga não acreditar que o TSE vá tirar os direitos políticos do ex-presidente, o cenário sobre o qual o comando do PL se debruça é outro. A dúvida está em como evitar o declínio de Bolsonaro até 2026, quando o PL pretende ser o maior desafiante de Lula, ou de quem ele ungir como candidato à sucessão.
Em São Paulo, joia da coroa, a negociação em curso é para o PL de Bolsonaro apoiar a campanha à reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB). O primeiro passo para essa aproximação foi a entrada do marqueteiro Duda Lima como responsável pela propaganda do MDB, com foco na disputa de 2024. Homem da confiança de Valdemar, Lima foi quem produziu os programas de TV de Bolsonaro na eleição do ano passado.
O plano agora é formar uma “frente ampla” em torno de Nunes para reunir vários partidos – do PL ao Republicanos do governador Tarcísio de Freitas; do União Brasil ao PSDB, passando pelo PSD de Gilberto Kassab e pelo PP de Arthur Lira. E, quem sabe, repetir a mesma aliança de centro-direita para a corrida presidencial de 2026, tendo Tarcísio como candidato à cadeira de Lula e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro na briga pelo Senado.
Nunes não quer, porém, investir na nacionalização da campanha, como desejam o PT e o deputado Guilherme Boulos (PSOL), nome que os petistas devem apoiar para a Prefeitura, apesar das divergências. A cautela não é à toa: se Bolsonaro ficar inelegível, a tendência é que, com o tempo, vire uma figura tóxica no palanque. Tanto que Nunes se recusa, desde já, a vestir o figurino de candidato bolsonarista.
“A engenharia da eleição municipal é outra. Esse caráter de polarização que Boulos e uma parte do PT querem dar, para nacionalizar a campanha, não pega”, afirmou o secretário municipal de Governo, Édson Aparecido.
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O TSE inicia o julgamento de Bolsonaro nesta quinta-feira, 22 – número do PL –, mas não há previsão sobre quando sairá o veredicto. Movida pelo PDT, a ação acusa o ex-presidente de abuso do poder político e uso indevido da comunicação por ter convocado um encontro com embaixadores, em julho do ano passado, para atacar o sistema eleitoral.
Na ocasião, Bolsonaro lançou dúvidas sobre as urnas eletrônicas, as mesmas que o elegeram várias vezes, disse que havia um complô para desestabilizar seu governo e pregou o voto impresso. Na atual temporada, muitos classificam o ex-presidente como um “Donald Trump dos Trópicos”. Na prática, os dois estão emparedados pela Justiça e tanto aqui quanto lá é difícil prever o último capítulo dessa novela, que descortina novos escândalos a cada dia. Mas, “haja o que hajar” (sic), de tédio não morreremos na capital da República.
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