O presidente Jair Bolsonaro vai adotar a estratégia de “padre” Kelmon para tirar do sério o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, no debate da TV Bandeirantes, marcado para o próximo domingo, 16. Kelmon concorreu pelo PTB no lugar de Roberto Jefferson – que está em prisão domiciliar e foi barrado pela Justiça Eleitoral –, atuando como linha auxiliar do governo no fim do primeiro turno.
Bolsonaro foi agora orientado a dobrar a aposta de Kelmon na Band, mas sem parecer raivoso ou destemperado. Ao participar do debate na TV Globo, em 29 de setembro, o “padre” chamou Lula de “descondenado” e “chefe da corrupção”. O petista caiu na provocação e o Palácio do Planalto comemorou.
Para vestir o figurino recomendado pelo marketing de sua campanha, no entanto, Bolsonaro teria de ser menos Bolsonaro. Com exceção do vereador Carlos – filho “02″ do presidente que é responsável pelas mídias digitais – e de alguns aliados, a equipe que assessora o ocupante do Planalto acha que ele precisa partir para a ofensiva contra Lula “dentro das quatro linhas” da Constituição.
Trata-se apenas de retórica numa corrida movida por fake news e ofensas. Um vale-tudo no qual os assuntos são aborto, canibalismo, maçonaria, xingamentos e manipulação da fé, como se viu no Dia de Nossa Senhora Aparecida. Nessa arena, tudo se discute, menos as propostas para o Brasil.
Tudo sobre Padre Kelmon
Ciente de que Bolsonaro vai encarnar o “estilo Kelmon” no debate da Band, promovido em parceria com TV Cultura, Folha e UOL, Lula levantou mais denúncias de corrupção contra o governo. Na lista está o balcão de negócios dos pastores no MEC, caso revelado pelo Estadão.
O ex-presidente tenta conquistar o voto da classe média e dos indecisos. Nessa toada, buscará apresentar propostas para combater o desemprego e a fome, e não apenas “olhar pelo retrovisor” , como disse um dirigente do PT. Sem o Kelmon “fantasiado de padre” à sua frente, como no debate da TV Globo, Lula quer mostrar tranquilidade para se diferenciar de Bolsonaro, mas também recorrerá ao “bateu, levou” e tentará de todo jeito aumentar a rejeição do rival.
Além disso, se o confronto descambar para agressões abaixo da linha da cintura, Lula pretende pedir desculpas ao eleitor pelo “jogo sujo” da campanha política, apontando o dedo para Bolsonaro.
Racha
Aliados do ex-presidente, porém, também surfaram na onda das fake news, estratégia que provocou racha na equipe. Nas redes sociais, o historiador Fernando Horta, apoiador de Lula, criticou o deputado André Janones (Avante-MG). Horta disse que a tática de guerrilha usada por Janones nas plataformas digitais “diminui qualquer legitimidade política que Lula tenha amealhado”, além de ser inútil em termos eleitorais.
“Em um confronto bélico, quem é contra as armas de fogo só tem duas opções: usar a arma de fogo ou ser morto por ela. Eu escolho a primeira opção!”, reagiu Janones. O historiador afirmou que o novo aliado do PT só fala para “uma esquerda branca que já vota em Lula” e atacou sua estratégia de lançar “mentiras e mais mentiras” ao vento, embora sem citar o deputado eleito Nikolas Ferreira (PL-MG), alvo de ataques considerados homofóbicos.
“Você é um troll fantasiado de esquerda”, escreveu Horta no Twitter, dirigindo-se a Janones. “Eu não tenho 111 mil por mês de verba parlamentar para pagar assessor nas redes”.
Do outro lado, o vereador Carlos, apelidado de “Carluxo”, também alvejou os “cristãos” novos da campanha de Bolsonaro, como o coach e empresário Pablo Marçal (PROS). Em mensagem publicada no Twitter, na quarta-feira, 12, Carluxo disse que “tem malandro de última hora se colocando como o tal do digital”, mentindo para ganhar dinheiro.
“Quem tem boca fala o que quer, você acreditar é outra coisa! Estava quieto, mas não há limite para a malandragem destes”, desabafou “Carluxo”. Vinte e quatro horas após os petardos do “02″, Marçal apareceu ao lado de Bolsonaro numa live, passando “orientações” a influenciadores digitais sobre como agir para derrotar o “comunismo” e prometendo dar “comandos” pelo Telegram.
“Peço que você deixe sua reputação um pouquinho de lado”, cobrou Marçal no treinamento. “Vamos evitar a perda da Nação para a esquerda. O jogo é baixo”, admitiu.
O empresário disse, ainda, que aquele não era o momento de ficar olhando para moral. “Nós vamos treinar o batalhão. É convocação. Para a gente um dia não precisar pegar em arma, para um dia a gente não ficar louco para querer o país de volta. Esses comunistas (...) não devolvem”, gritou.
Marçal era pré-candidato ao Planalto pelo Pros, mas foi barrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após seu partido retirar o apoio a ele para se aliar a Lula. Agora, está com o presidente e tenta recuperar no TSE votos que obteve para a Câmara dos Deputados.
O PL, partido de Bolsonaro, não gostou do “treinamento” dado pelo empresário, que reforçou a “convocação” do presidente para que seus apoiadores permaneçam nas seções eleitorais, no próximo dia 30, até o fim da apuração dos votos.
A avaliação reservada de marqueteiros da campanha é a de que Bolsonaro errou ao se insurgir novamente contra o processo eleitoral e deu mais uma “deixa” para ser questionado no debate da Band sobre seus ataques à democracia.
Quase dois anos depois, a triste memória da invasão do Capitólio, em janeiro de 2021, ainda está bem viva. Nesse embate, o “estilo Kelmon” ainda é uma caricatura tupiniquim. Bolsonaro é e sempre será fã de Donald Trump.
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