No fim do governo de Jair Bolsonaro, José Múcio Monteiro tentou por dias a fio, sem sucesso, se reunir com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Múcio já havia sido escolhido por Luiz Inácio Lula da Silva para assumir o Ministério da Defesa e um clima de tensão dominava a caserna, com rumores de que os comandantes das Forças Armadas entregariam seus cargos antes da hora para não prestar continência ao presidente eleito.
Apesar do estilo conciliador, Múcio só conseguiu ser recebido pelos militares perto do Natal de 2022, após pedido feito pelo próprio Bolsonaro.
Um único comandante, porém, não abriu a porta para o futuro ministro de Lula: Almir Garnier Santos, da Marinha. O almirante citado na delação do tenente-coronel Mauro Cid à Polícia Federal foi justamente quem protagonizou a inédita quebra de protocolo: não quis saber de conversa com o civil que ocuparia a Defesa e também não participou da cerimônia para passar o bastão a seu sucessor, Marcos Sampaio Olsen.
Para marcar audiência com o general Freire Gomes (Exército) e com o brigadeiro Baptista Júnior (Aeronáutica), Múcio teve de recorrer a Bolsonaro, que telefonou para os subordinados e garantiu que o ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) era “gente boa”.
Bolsonaro conhece Múcio desde os tempos em que os dois eram deputados e, em seu governo, chegou a convidá-lo mais de uma vez para dirigir qualquer pasta de seu agrado. O ex-presidente do TCU, que já havia sido ministro das Relações Institucionais no segundo mandato de Lula, nunca aceitou a oferta. Até hoje, no entanto, a cúpula do PT quer derrubá-lo, sob o argumento de que ele é homem da confiança de militares bolsonaristas.
Na delação que chocou o País por escancarar com todas as letras a tentativa de golpe, Mauro Cid disse à PF que Bolsonaro se reuniu com o comando das Forças Armadas, após a eleição de Lula, para traçar o roteiro de uma intervenção militar. O ex-ajudante de ordens contou que o então presidente teria recebido do assessor Filipe Martins, naquele encontro, uma minuta de decreto dando a ele poderes para anular o resultado das urnas.
O primeiro a levantar a mão para dizer que sua tropa estaria pronta para aderir ao golpe, de acordo com a delação de Mauro Cid, foi justamente Garnier, aquele que não atendeu Mucio e se recusou a participar da cerimônia de troca de comando.
Garnier e os outros comandantes, aliás, haviam assumido os postos em abril de 2021, depois que seus antecessores foram demitidos por Bolsonaro quando se negaram a politizar as Forças Armadas.
Quatro ‘diabos’ sussurraram no ouvido de Bolsonaro
Em conversas reservadas, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) dizem que Garnier é um dos quatro “diabos” que ficavam sussurrando no ouvido de Bolsonaro. Motivo: todos queriam que o capitão fizesse alguma coisa para impedir a posse de Lula. Os outros seriam os generais Augusto Heleno (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e Braga Netto – ex-titular da Defesa que concorreu a vice na chapa da reeleição –, além do ex-secretário de Pesca Jorge Seif, hoje senador pelo PL.
No último dia 14, Seif atacou duramente o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, que estava à frente do Comando Militar do Planalto no dia 8 de janeiro, quando vândalos depredaram as sedes dos três Poderes.
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“O senhor é um covarde. O senhor presta continência para comunista e hoje serve a um ladrão”, disse Seif a Menezes, reagindo ao depoimento do militar à CPI dos Atos Golpistas. “O senhor encaminhou senhoras, senhores, famílias e crianças para serem presos”, emendou o senador, ao afirmar que os acampados no Q.G do Exército não eram criminosos.
O deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), presidente da CPI, interrompeu Seif e pediu para que os ataques fossem retirados das notas taquigráficas. A partir da delação de Mauro Cid, porém, nada mais poderá ser apagado dessa história que tanto envergonha o País.
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