No dia 19 de dezembro de 2022, Jair Bolsonaro participou de um jantar, em Brasília, na casa do então ministro das Comunicações, Fábio Faria. Mas quem pediu para que Faria organizasse o encontro foi o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Preocupado com a relutância de Bolsonaro em admitir a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição, Toffoli chamou o então presidente para uma conversa reservada após o jantar.
“O senhor acha que, se houver um ato de força, os generais quatro estrelas vão deixar um capitão assumir o poder?”, perguntou o ministro do STF, a portas fechadas, numa referência à patente de Bolsonaro. “A história, como a de 1964, mostra que não.”
A poucos dias do fim do mandato, o presidente ficou em silêncio. Depois, negou que estivesse planejando um golpe. Disse, porém, que temia a prisão e a perseguição política, principalmente na direção de seus filhos. Afirmou, ainda, que jamais passaria a faixa para Lula.
Antes, durante o jantar, Bolsonaro já havia garantido que não se envolveria em nenhuma “aventura” ou ato terrorista. Além de Fábio Faria, o anfitrião, e de Toffoli, compareceram o governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o titular da Casa Civil à época, Ciro Nogueira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, o chefe da Advocacia-Geral da União, Bruno Bianco, o almirante Flávio Rocha, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira.
O objetivo do encontro era convencer Bolsonaro a fazer um pronunciamento reconhecendo a eleição de Lula para desmobilizar os acampamentos golpistas diante dos quartéis. O então presidente repetia, no entanto, que não tinha convocado ninguém para aquela concentração, e por isso não cabia a ele desmobilizar nada.
Muitos ali disseram a Bolsonaro que as mesmas urnas eletrônicas que haviam dado a vitória a Lula tinham escolhido Tarcísio governador. Mas ele se mostrava convencido da fraude e de uma trama urdida para levá-lo a nocaute.
O jantar idealizado por Toffoli com aqueles mesmos convidados era para ter ocorrido em 14 de dezembro de 2022, uma quarta-feira. Na véspera, porém, Bolsonaro telefonou para o ministro e desmarcou o compromisso. Para o magistrado, a atitude serviu para acionar o sinal de alerta.
As datas, agora, se cruzam com a trama descoberta nas investigações da Polícia Federal, que resultaram no indiciamento de Bolsonaro e outros 36 aliados, entre os quais o então ministro da Defesa, Braga Netto.
Toffoli era conhecido no Planalto como ‘Rivotril’
No dia 16 de dezembro, uma sexta-feira, um interlocutor político do então presidente chamou Toffoli antes das 7 horas. Apesar de suas ligações com o PT e com Lula, o ministro do STF havia se aproximado dos militares e de Bolsonaro, tanto que era conhecido no Palácio do Planalto como “Rivotril” por ter o dom de acalmá-lo.
Do outro lado da linha, o interlocutor – que àquela altura se encontrava no Palácio da Alvorada com Bolsonaro e outros auxiliares, como o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens – avisou que a situação estava difícil e complexa.
As diligências da PF indicaram que o dia anterior, 15 de dezembro, era a data escolhida por militares das Forças Especiais, os chamados “kids pretos”, para pôr em prática a execução de Lula, do vice eleito, Geraldo Alckmin, e do ministro do STF Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O plano, porém, foi abortado.
Ao que consta, a reunião do dia 16, no Alvorada, foi justamente para pressionar Bolsonaro a assinar a “minuta do golpe”. Por volta de 15 horas, o interlocutor de Bolsonaro que havia ligado cedo para Toffoli foi à casa dele. Mesmo sem dar detalhes do que ocorria e se recusando a dizer quem estava no Alvorada, afirmou que, mais do que nunca, era necessário insistir naquele jantar com o presidente e pessoas que ele considerava como amigos, a exemplo de Tarcísio. E assim foi feito.
Um áudio captado pela PF mostra que, no mesmo dia do jantar, 19 de dezembro, o coronel Reginaldo Vieira de Abreu reclamou para o general Mário Fernandes – número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, hoje preso – que Bolsonaro sequer havia aparecido para conversar com manifestantes diante do Alvorada.
“Deve estar com vergonha, né? (...) Ele que tenha coragem moral, pelo menos até quinta-feira (22), de falar que não quer mais, né? (Para o) pessoal, pelo menos, passar o Natal em casa”, protestou o coronel.
Como se vê, dois anos depois, às vésperas de outro Natal, as peças do “Punhal Verde Amarelo” começam a se encaixar. Diz a Polícia Federal que o capitão tinha um decreto pronto para destruir a democracia. O plano só não foi adiante porque os generais do Alto Comando não aderiram ao golpe.
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