A eleição que vai renovar a cúpula do PT, em 2025, é alvo de intensa disputa nos bastidores entre aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Longe dos holofotes, enquanto todas as atenções estão voltadas para o segundo turno dos confrontos municipais neste domingo, 27, petistas com e sem mandato fazem articulações para tentar mudar os rumos do partido.
A briga ameaça rachar a corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), liderada por Lula e majoritária na legenda. O problema não é apenas entre a ala “fiscalista” do PT, representada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outra que se autointitula “desenvolvimentista” e tem a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, como sua porta-voz.
O embate pela cadeira de Gleisi vai muito além desses clichês e aparências. Por trás de tudo há um motivo mais pragmático: o próximo presidente do PT comandará a campanha da reeleição de Lula, em 2026, ou o nome que ele escolher para a sua sucessão.
Até agora, o cenário das urnas indica um caminho de pedras a ser percorrido pelo PT. Não é à toa que o próprio Haddad tem dito que a sigla precisa começar a construir o “pós-Lula”.
Aliados de Gleisi querem antecipar a saída dela do cargo, prevista para junho de 2025. De 5 a 7 de dezembro, o PT fará um seminário, seguido de uma reunião do Diretório Nacional, com o objetivo de discutir seus novos desafios. A mudança é considerada urgente numa época em que o mundo do trabalho se modifica com a velocidade da luz, as redes sociais criam “fenômenos” como Pablo Marçal e o partido ainda tem cabeça analógica.
Haverá, ainda, um balanço das eleições municipais e já se espera uma “lavação de roupa suja” por causa do mau desempenho petista. Não são poucos os que criticam o fato de o PT ter deixado de lançar candidatos próprios em várias capitais, como em São Paulo – onde a legenda apoia Guilherme Boulos (PSOL) –, para avalizar concorrentes de siglas que sustentam o governo no Congresso.
“O PT precisa, urgentemente, se abrir e investir em uma nova geração de líderes para evitar o risco de se tornar um mero espectador das mudanças no cenário futuro da política”, disse o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). “Nesse momento, o PT e a esquerda têm apenas um fio de relação com a população mais pobre e os trabalhadores, que é o Lula”, afirmou o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP).
‘Diga ao povo que fico’, afirma Gleisi
A disputa, agora, é sobre como “refundar” o PT. Uma ala acha que Gleisi deve passar o bastão em fevereiro de 2025 por ser uma data simbólica, quando o partido completa 45 anos. A ideia desse grupo é deixar o deputado José Guimarães (CE), líder do governo na Câmara e um dos vice-presidentes do PT, como interino no comando da legenda.
Até o fim de junho, o PT vai realizar o Processo de Eleições Diretas (PED), com voto dos filiados, para a escolha de suas novas cúpulas municipais, estaduais e nacional.
A estratégia da saída antecipada de Gleisi, porém, permitiria a ela assumir um ministério, uma vez que Lula pretende fazer trocas na equipe antes de julho. Como mostrou o Estadão, Gleisi é cotada para a Secretaria-Geral da Presidência e o Ministério do Desenvolvimento Social.
De quebra, o movimento poderia fortalecer Guimarães na briga pela presidência do PT, meses depois, sobretudo se o partido ganhar a prefeitura de Fortaleza, neste domingo, contra o PL de Jair Bolsonaro. Qualquer mudança de cronograma, no entanto, precisa ser aprovada pelo Diretório Nacional.
Após a publicação desta Coluna, Gleisi garantiu que não deixará a presidência do PT antes do fim de seu mandato. “Diga ao povo que fico”, brincou ela. “Eu fiz um compromisso com o presidente Lula de ficar aqui até o término do meu mandato, que é 30 de junho, e vou cumprir. Acho que nossa gestão foi vitoriosa porque pegamos o momento mais difícil do partido”, completou.
Lula chegou a perguntar a Gleisi, logo depois do primeiro turno das eleições, como estava o calendário das eleições diretas no PT. Além de querer levar a deputada para o primeiro escalão, o presidente também trabalha para que o substituto dela no comando do PT seja o prefeito de Araraquara, Edinho Silva. É justamente aí que as divergências se acentuam.
Tanto Gleisi quanto Edinho foram ministros no governo Dilma Rousseff. Ela foi chefe da Casa Civil. Ele, titular da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência.
Um dos coordenadores da campanha de Lula em 2022, Edinho também tem o apoio de Haddad, do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e de expoentes da velha-guarda petista, como José Dirceu.
Depois que a candidata do PT à prefeitura de Araraquara, Eliana Honain, perdeu a eleição em seu próprio território, porém, o fogo amigo contra ele aumentou.
Em maio, Gleisi disse ao Estadão que considerava “justo e natural” um nome do Nordeste ocupar a presidência do PT. Foi sua primeira declaração sobre o assunto.
Embora até hoje ela afirme não ter nada contra Edinho, de quem diz gostar muito, seu aceno a Guimarães – visto como um contraponto à influência de Haddad – reflete o desejo da ala que quer mudar o eixo de poder no partido.
O argumento desse grupo é de que a maior parte dos votos de Lula sempre veio do Nordeste, embora a região já não possa mais ser considerada como reduto do PT.
Na prática, as divergências não são apenas cosméticas: batem cada vez com mais força à porta do PT numa quadra de avanço do Centrão e crescimento da direita.
Com perfil conciliador, Edinho avalia que o partido precisa “furar a bolha da polarização” no País e construir um discurso de unidade. Noves fora, é tudo o que o PT não faz hoje. Lula, sempre que pode, incentiva o “nós contra eles”.
Nessa disputa, os principais personagens fazem parte da mesma corrente de Lula, a CNB. E, apesar de toda a gritaria, o nome ungido pelo presidente para herdar o seu espólio é mesmo o de Haddad. Dizem no Palácio do Planalto que esse projeto é só para 2030. Mas, a depender da posição das nuvens, pode ser bem antes...
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