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Os bastidores do Planalto e do Congresso

Embaixada do Brasil no Chile terá placa dizendo que ditadura brasileira apoiou golpe de Pinochet

Amigos que moraram no país vizinho vão prestar homenagem a seis brasileiros assassinados após a derrubada de Allende, há 50 anos, e revisitam a história em cerimônia promovida pelo Itamaraty

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Foto do author Vera Rosa
Atualização:

BRASÍLIA – Uma comitiva de amigos que se refugiaram no Chile durante a ditadura militar embarcará para Santiago, nos próximos dias, para revisitar a história. Em 11 de setembro, o golpe que derrubou o presidente Salvador Allende completa 50 anos e será lembrado pelo grupo com uma homenagem aos seis brasileiros ali assassinados.

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O governo Lula concordou com a instalação de uma placa na embaixada do Brasil informando que, em 1973, “muitos foram presos e torturados pelas forças golpistas, com a participação de agentes da repressão brasileira”. A inscrição termina com os seguintes dizeres: “No Brasil e no Chile, Ditadura Nunca Mais.”

A homenagem trará os nomes de Jane Vanini, Luiz Carlos de Almeida, Nelson de Souza Khol, Nilton da Silva, Túlio Quintiliano Cardoso e Wânio José de Mattos, capturados e mortos após o golpe liderado pelo general Augusto Pinochet. “Não os esqueceremos”, diz o texto. Uma segunda placa com o mesmo teor será fixada na Plaza Brasil, no dia 12.

Reunião do grupo “Viva Chile!”, no último dia 18, em restaurante de São Paulo Foto: Ricardo Azevedo

O grupo que retornará ao Chile após 50 anos parece ter hoje a mesma solidariedade do exílio, quando todos fugiam da ditadura no Brasil. Batizado de “Viva Chile!”, é composto por cerca de 100 pessoas, a maioria ex-militantes de organizações de extrema-esquerda. Embora a comitiva tenha acertado várias programações com o Itamaraty, como a visita à exposição de fotos sobre o golpe, de Evandro Teixeira, a viagem não tem patrocínio e será bancada com recursos próprios.

“É uma ação entre amigos”, definiu o sociólogo Ricardo Azevedo, um ex-petista que militou na Ação Popular (AP) e ficou detido durante um mês, aos 24 anos, no Estádio Nacional de Santiago, transformado em campo de prisioneiros. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo, Azevedo trabalhou nos governos Lula e Dilma Rousseff, mas deixou o PT em 2016, após 36 anos de filiação, e hoje está sem partido. A ideia de organizar a caravana para o Chile surgiu dele, em conversas num grupo de WhatsApp.

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À época dirigente da AP, o ex-senador José Serra (PSDB) também viveu em Santiago naqueles anos de terror. “Eu briguei muito com o Serra, mas reconheço que ele foi corajoso. Durante dias, apesar de procurado, pegava refugiados, levava para a casa dele ou para alguma embaixada. Ele chegou a ser preso e só conseguiu escapar porque tinha passaporte italiano”, contou Azevedo.

O ex-ditador Augusto Pinochet, que governou o Chile entre 1973 e 1990 Foto: Claudia Daut/Reuters

Serra foi convidado para integrar a caravana, nos próximos dias, mas não pode viajar por causa de um tratamento médico. Em mais de uma ocasião, o ex-senador disse que foi “exilado ao quadrado”. Não sem motivo: fugiu do Brasil em 1964 para não viver na clandestinidade, após ter sido presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), e depois viu de perto o golpe que depôs Allende.

‘E agora?’

O ex-governador do Amapá João Capiberibe (PSB) era da Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella, quando conseguiu chegar ao Chile após meses de uma fuga que incluiu até deslocamento de barco.

Foi na véspera do Natal, em 24 de dezembro de 1971. Tudo corria bem até que a Junta Militar comandada por Pinochet assumiu o poder. Capiberibe tinha 24 anos e Janete, sua mulher, 22.

“Naquele momento, eu e a Janete éramos muito jovens e tínhamos três crianças de colo. Foi um trauma, um golpe quase mortal em nossas vidas”, relatou o ex-governador à coluna. “A gente já tinha escapado do golpe no Brasil, do golpe na Bolívia e se perguntava: ‘E agora?’”

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Golpe que derrubou o presidente chileno Salvador Allende completa 50 anos  Foto: Geraldo Guimarães Acervo / Estadão

A família foi salva da prisão, na última hora, por um padre. “Era o meu professor de Filosofia na universidade e se chamava Henrique. Morávamos em Talca e ele nos levou para a Casa Episcopal. Fomos protegidos dos militares, que no dia anterior haviam dado 24 horas para que saíssemos do Chile”, afirmou.

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Capiberibe descreveu uma “caça implacável” aos estrangeiros, incentivada pela Junta Militar, após a queda de Allende. “O golpe no Chile foi financiado pelo Brasil. O Doi-Codi foi para dentro do Estádio Nacional interrogar os brasileiros presos. A gente escapou por muito pouco, milagrosamente, com passaporte da Cruz Vermelha.”

Em Santiago nasceram, um ano antes do golpe, os gêmeos do casal (Camilo e Luciana). Os dois só conseguiram ser registrados em 1979, sete anos depois, em Moçambique.

“Nós éramos considerados apátridas”, resumiu Capiberibe. A única filha registrada era a mais velha, Artionka, que havia nascido em Belém, e começou a acompanhar os pais no exílio ainda bebê, antes mesmo de completar um ano.

“Passados 50 anos do golpe, o Chile vive hoje novos momentos de paz, democracia e progresso. Nós, alguns dos que ali vivemos e tivemos momentos de hospitalidade, mas também os de terror, não somos indiferentes ao futuro desse país amigo”, diz um trecho de manifesto assinado por 463 pessoas, entre as quais o cineasta Silvio Tendler.

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Documentarista e autor de longas como Alma Imoral e Sonhos Interrompidos, Tendler aproveitará a viagem para capturar imagens destinadas a seu próximo filme, desta vez sobre exilados brasileiros no Chile e também na França. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que morou nos dois países, gravou um depoimento para o cineasta.

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