Ao fazer sua reestreia na tribuna da Assembleia-Geral da ONU, nesta terça-feira, 19, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu vários recados. Tentou consertar derrapadas quando disse que a guerra na Ucrânia escancara a “incapacidade coletiva de mediar conflitos”, criticou a aposta das grandes potências mundiais em gastos militares e condenou, mais uma vez, o embargo dos Estados Unidos a Cuba.
Mas foi ao bater na tecla da necessidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU para combater as desigualdades em todas as suas dimensões que Lula fez a conexão com os pilares do G-20. Não poderia deixar escapar a oportunidade, já que o grupo de países com as maiores economias do planeta será comandado pelo Brasil, a partir de dezembro.
A promoção do desenvolvimento sustentável, que passa pela transição energética, é justamente uma dessas diretrizes do G-20. “Estamos na vanguarda da transição energética e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo”, destacou o presidente.
Lula não disse e nem poderia dizer naquele palanque global, em Nova York, mas esse é um dos assuntos que tem despertado choro e ranger de dentes no governo. E os dois ministros que protagonizam a queda de braço estavam na plateia da ONU, assistindo ao discurso de Lula: Marina Silva, do Meio Ambiente, e Alexandre Silveira, das Minas e Energia.
A polêmica da vez envolve a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. A autorização foi negada pelo Ibama em maio, a Petrobras recorreu, com apoio de Silveira, e Marina afirmou que a decisão técnica precisa ser respeitada. “Muitas vezes, os atalhos nos levam a abismos e o percurso mais longo nos leva ao porto desejado”, comparou ela no último dia 30, ao participar de audiência numa comissão da Câmara.
Sinais trocados em público, mas posição favorável
Embora costume emitir sinais trocados em público, Lula é a favor da exploração do potencial petrolífero na chamada Margem Equatorial. Cabe, então, a pergunta: isso não contradiz seu discurso da ONU que, sob o slogan ‘O Brasil voltou’, empunha a bandeira do modelo ambientalmente sustentável?
Na prática, o setor de petróleo e gás ainda vai financiar essa transição por muito tempo. “É um paradoxo com o qual a gente vai ter de viver”, admite o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. “Transição energética é uma metamorfose ambulante. Vamos furar lá no fundo do mar, tirar talvez o último petróleo do mundo para pagar e estruturar uma economia de floresta em pé.”
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O Palácio do Planalto e o Itamaraty querem chamar a atenção sobre o tema para a cúpula do G-20 no Rio, em 2024. No discurso, todos concordam que a economia de baixo carbono é a aposta para as próximas décadas. Resta saber se o Brasil será capaz de fazer o dever de casa para mitigar os danos da exploração do combustível fóssil e atrair investimentos estrangeiros. Ao que tudo indica, porém, Lula terá de combinar a estratégia com os russos do próprio governo.
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