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Os bastidores do Planalto e do Congresso

Análise | Lula quer que 8 de Janeiro vire data de defesa da democracia, mas ideia incomoda Forças Armadas

Nos bastidores, comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica dizem ser preciso deixar os ataques que completam dois anos com a Justiça e virar essa página

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Foto do author Vera Rosa
Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer transformar o 8 de Janeiro numa data oficial para marcar a defesa da democracia. Nesta quarta-feira, 8, por exemplo, quando se completam dois anos dos ataques golpistas, Lula participará de quatro atos em memória daquele dia de horror. Nos bastidores, porém, comandantes das Forças Armadas – que estarão no Palácio do Planalto – mostram desconforto com essas cerimônias e dizem ser necessário “virar a página”.

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Se dependesse do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e até de alguns integrantes do governo que só falam sobre esse assunto sob reserva, o 8 de Janeiro ficaria agora apenas com a Justiça. O receio é o de que essas solenidades alimentem a polarização no País. A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro, o general e ex-ministro Braga Netto, hoje preso, e outras 38 pessoas por tentativa de golpe.

Todos serão julgados e, provavelmente, condenados, mas tudo indica que, neste 2025, viveremos momentos de muito mais escândalos e novas prisões. Aguarda-se para os próximos meses, ainda, o término do inquérito das fake news, aberto em 2019.

O presidente Lula avalia que a passagem do 8 de Janeiro precisa ser lembrada todo ano, mas militares de alta patente discordam. Foto: Wilton Junior/Estadão

Enquanto Lula planeja converter o 8 de Janeiro em Dia da Defesa da Democracia – e já há até projetos nesse sentido tramitando no Congresso –, bolsonaristas invadem as redes sociais com a proposta de criação do Dia do Patriota.

O cabo de guerra vai continuar em 2026, ano eleitoral, quando aliados de Bolsonaro prometem usar a bandeira do impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para obter votos. E, se conseguirem aumentar sua bancada no Senado, pôr em marcha o plano de defenestrar magistrados.

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Na prática, não está tudo pacificado nem há conciliação à vista. O filme Ainda Estou Aqui, que deu o Globo de Ouro a Fernanda Torres ao fazer um doloroso relato de como a ditadura mudou a vida da família do ex-deputado Rubens Paiva, revela a importância dessa memória.

O próximo dia 20, coincidentemente a data em que Donald Trump toma posse para o segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, marca também os 54 anos do desaparecimento do ex-deputado, arrancado de sua casa, no Rio, por agentes da ditadura.

Busto de Rubens Paiva, na Câmara dos Deputados, foi inaugurado em 2014. Foto: Arquivo pessoal

Em 2014, quando a Câmara inaugurou um busto em homenagem a Rubens Paiva, o então deputado Bolsonaro cuspiu na imagem.

“Rubens Paiva teve o que mereceu. Comunista desgraçado, vagabundo!”, gritou ele, cercado pelos filhos. Políticos e parentes de Paiva que ali estavam ficaram perplexos. O relato foi feito nas redes sociais por seu neto, Chico Paiva Avelino.

Autor do projeto daquela escultura, Paulo Teixeira (PT), hoje ministro do Desenvolvimento Agrário, disse que o episódio indica por que é preciso resgatar a defesa da democracia no 8 de Janeiro.

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“Não podemos normalizar fatos que foram de uma gravidade ímpar”, afirmou Teixeira. Se fizermos isso, os autores da tentativa de golpe serão anistiados e voltarão ao poder.”

Nos primeiros dias úteis deste 2025, o quadro As Mulatas, de Di Cavalcanti, e um raro relógio de pêndulo do século XVII – destruídos durante a tentativa de golpe do 8 de Janeiro – desembarcaram no Planalto, escoltados pela Polícia Federal.

Foram quase dois anos de restauração destas e de outras 19 obras, que serão devolvidas ao público. Esperemos, agora, que a democracia – não só no Brasil, mas no mundo todo – sobreviva. Sem trincas nem remendos.

Análise por Vera Rosa

Repórter especial do ‘Estadão’. Na Sucursal de Brasília desde 2003, sempre cobrindo Planalto e Congresso. É jornalista formada pela PUC-SP. Escreve às quartas-feiras

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