As investigações que têm o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como alvo prometem entrar em sua fase mais crítica, do ponto de vista político, às vésperas das eleições municipais de 2024. Sob reserva, um delegado da Polícia Federal disse à coluna que, antes mesmo de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes homologar a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, no sábado, 9, a corporação já tinha material suficiente para dois anos de diligências.
Diante dessa previsão, não é de se estranhar que a devassa da PF, com autorização do Supremo, atinja ainda mais aliados de Bolsonaro no meio do caminho, na medida em que se aproximam as disputas para as prefeituras. Todos os personagens da trama são homens da extrema confiança do ex-inquilino do Planalto.
Mauro Cid, por exemplo, exercia a função de chefe dos ajudantes de ordens da Presidência de forma peculiar, extrapolando suas atribuições.
De celular em punho, gravava vídeos com “entrevistas” do então presidente no cercadinho do Palácio da Alvorada, tirava selfies com apoiadores e distribuía fake news pelo WhatsApp. Além disso, cuidava de assuntos pessoais de Bolsonaro, da primeira-dama Michelle e até de seus respectivos parentes.
Filho do general Mauro Cesar Lourena Cid, amigo do presidente e hoje também investigado, o tenente-coronel era tratado como integrante da família. Tinha até mesmo uma suíte dentro do Alvorada.
A movimentação de recursos feita pelo faz-tudo de Bolsonaro está sob análise da PF, que considerou aquele fluxo financeiro incompatível com seu salário de R$ 27 mil mensais.
Como mostrou o Estadão, a CPMI dos Atos Golpistas de 8 de Janeiro recebeu relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) dizendo que Cid movimentou R$ 3,75 milhões, entre 26 de julho de 2022 e 6 de maio deste ano.
Mais joias
Dados em poder dos investigadores dão conta de que o ex-ajudante de ordens mexeu com mais verbas do que a soma da venda de todas as joias conhecidas, desviadas do patrimônio da União, e dos rendimentos de Bolsonaro.
Há três suspeitas em apuração pela PF, diante dos indícios da lavagem de dinheiro: 1) mais joias da Arábia Saudita, além de outros presentes de alto valor do acervo presidencial, foram vendidos no exterior; 2) fontes empresariais financiaram a tentativa de golpe no País e mordomias do casal Bolsonaro; 3) houve fraudes com o uso do cartão corporativo.
Advogados de Mauro Cid sustentam que todas as operações do tenente-coronel são lícitas, foram declaradas e têm respaldo em seu patrimônio familiar.
Integrantes da CPI avaliam, porém, que o cruzamento dos dados apreendidos nos celulares do ajudante de ordens, de seu pai – o general Lourena Cid – e do advogado Frederick Wassef mostrará com detalhes a participação desses nomes na tentativa de golpe para derrubar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Até agora, investigações da PF indicam que, ao lado do general Braga Netto, esse trio pode ter desempenhado papel ainda mais preponderante na trama golpista do que o então ministro da Justiça Anderson Torres.
Mas quem fazia a ponte com os militares era Braga Netto que, nesta terça-feira, 12, teve o sigilo telefônico quebrado. A patente do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil apareceu na operação da PF que investiga irregularidades na compra de coletes à prova de balas para o Rio, em 2018, quando ele era interventor federal no Estado.
O desafeto
Filiado ao PL, Braga Netto foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro, no ano passado, mas não se tornou inelegível como o amigo. O ex-presidente “lançou” recentemente o general à prefeitura do Rio, em 2024, tendo como mote o combate à corrupção. Após a operação desta terça-feira, batizada de Perfídia, a cúpula do PL admite que a ideia será engavetada.
Desafeto de Braga Netto, Anderson Torres, por sua vez, ficou preso por quatro meses após os atos de vandalismo que depredaram o Planalto, o Congresso e o Supremo. Torres é investigado por omissão no dia dos ataques, quando estava nos EUA. Na casa do ex-delegado da PF, à época secretário de Segurança do Distrito Federal, agentes encontraram uma espécie de “minuta do golpe”.
Pesquisas encomendadas pelo PL no mês passado revelam que Bolsonaro vem perdendo capital político. Mesmo assim, o bolsonarismo não está morto e muito menos sepultado para as próximas eleições.
Em São Paulo, no entanto, é compreensível que o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato a novo mandato, não queira mais ficar “grudado” no ex-presidente. Detalhe: um dos que mais o aconselharam a manter essa distância regulamentar foi justamente Duda Lima, marqueteiro da última campanha de Bolsonaro e hoje consultor de imagem de Nunes.
Engana-se, porém, quem pensa que a corrente pró-Bolsonaro tenha se desintegrado. Assim como o petismo não acabou após o escândalo do mensalão, do impeachment de Dilma Rousseff e da prisão de Lula, o bolsonarismo não foi extinto.
Trata-se de uma força em declínio, mas não uma carta fora do baralho. A não ser que nova perfídia entre em cena nesse enredo.
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