BRASÍLIA – O arsenal de guerra previsto para matar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes desmonta a narrativa daqueles que queriam resumir os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 a um “ato tresloucado” de pessoas revoltadas e até de “tias do Zap”.
Na outra ponta, o atentado ocorrido na última quarta-feira, 13, com explosões na Praça dos Três Poderes e a morte do homem-bomba Francisco Wanderley Luiz, não pode ser considerado como “obra” de um “lobo solitário”. Foi assim que colegas de Moraes no Supremo avaliaram nesta terça-feira, 19, em conversas reservadas, o que definiram como “provas robustas” obtidas pela Polícia Federal na operação intitulada “Contragolpe”, que prendeu quatro militares e um policial.
Na decisão que autorizou o cumprimento de mandados de busca, apreensão e prisão, Moraes descreveu com detalhes o potencial do armamento que seria usado em um golpe de Estado no dia 15 de dezembro de 2022. Boa parte das informações consta de documento preparado pelo general da reserva Mário Fernandes, que ganhou o sugestivo título de “Punhal Verde Amarelo”.
Como mostrou o Estadão, a trama também cita a possibilidade de envenenamento de Lula, Alckmin e Moraes. De acordo com a Polícia Federal, os chamados “kids pretos” – militares do Exército ligados às forças especiais – recebiam comando do general Braga Netto, que foi ministro da Casa Civil e da Defesa no governo de Jair Bolsonaro.
Militar que concorreu a vice na chapa de Bolsonaro, em 2022, Braga Netto cedeu sua casa para as reuniões do golpe, segundo a PF. Executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, o general Mário Fernandes, por sua vez, imprimiu – às 18h09 do dia 9 de novembro de 2022, no Palácio do Planalto – os detalhes da ação para executar Lula, Alckmin e Moraes.
“(...) A lista com o arsenal previsto revela o alto poderio bélico que estava programado para ser utilizado na ação. As pistolas e os fuzis em questão (’4 Pst 9 mm ou .40″ e “4 Fz 5,56 mm, 7,62 mm ou .338′) são comumente utilizados por policiais e militares, inclusive pela grande eficácia dos calibres elencados”, diz um trecho da decisão de Moraes. “Chama atenção, sobretudo, o armamento coletivo previsto, sendo: 1 metralhadora M249 – MAG – MINIMI (7,62 mm ou 5,56 mm), 1 lança Granada 40 mm e 1 lança rojão AT4. São armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate.”
A preparação incluía análise de risco, ações de “reconhecimento” dos locais e monitoramento dos alvos. A PF também encontrou um documento que previa a instituição de um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise”, que seria instalado após o golpe e teria o comando de Braga Netto e do general Augusto Heleno, ex-titular do Gabinete de Segurança Institucional.
Ministros do STF lembram que Braga Netto esteve nos acampamentos golpistas diante do Q.G. do Exército, em Brasília. Não foi só: no dia 19 de novembro de 2022, o general chegou a recorrer a uma frase enigmática para “confortar” manifestantes que se concentravam em frente ao Palácio da Alvorada, inconformados com a eleição de Lula.
“Vocês não percam a fé. É só o que eu posso falar para vocês agora”, afirmou Braga Netto na ocasião.
Em fevereiro do ano passado, o então titular da Justiça, Flávio Dino – hoje ministro do STF – disse ao Estadão que havia “atos preparatórios para a execução de um tiro no dia da posse de Lula”.
A PF encontrou uma troca de mensagens que sugeriam o planejamento do crime. A conversa estava no celular de um dos envolvidos no plano para detonar uma bomba em um caminhão-tanque de combustível, nas proximidades do Aeroporto de Brasília, em dezembro de 2022.
O que leva ministros do STF e a PF a crer que tudo está interligado é o encadeamento dos fatos e ações. Antes, em 8 julho de 2021, Braga Netto também já havia feito uma dura ameaça, como revelou o Estadão. Acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, o general pediu a um importante interlocutor político para comunicar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e a quem interessasse que não haveria eleições em 2022 se não houvesse voto impresso e auditável.
Naquele mesmo dia, Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça de Braga Netto, ao avistar apoiadores, na entrada do Alvorada.
As investigações da PF revelam agora que a tentativa de golpe estava sendo planejada há tempos. E fatos ocorridos depois do 8 de janeiro também podem ter conexão entre si, inclusive o atentado praticado pelo homem-bomba. O corpo de Francisco Wanderley Luiz ficou estendido diante do prédio do STF, o mesmo que foi alvo de depredações e até da pichação “Perdeu Mané” no 8 de janeiro de 2023.
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