“Senhor Maluf, você não toma jeito. Continua mitômano, um mentiroso contumaz”, disse Marta Suplicy (PT), ex-deputada federal e candidata à Prefeitura de São Paulo na eleição de 2000. Os adjetivos valeram um direito de resposta ao ex-prefeito Paulo Maluf (PPB), seu adversário naquele segundo turno. “A senhora, administrativamente, é desqualificada”, rebateu, gerando protestos da petista, ao que o ex-governador levantou o tom de voz. Ele sugeriu a Marta “ficar quietinha, sem dar palpites”, e teve a réplica: “Cala a boca, Maluf”.
O debate na TV Bandeirantes tinha começado há 18 minutos. Antes do programa, ambos prometeram manter a cordialidade durante a discussão. O tema que motivou a intriga foi a construção de piscinões durante a última gestão de Maluf, de 1993 a 1996. A petista disse que o candidato do PPB não havia construído cinco piscinões para conter enchentes na cidade, como havia prometido durante a campanha de 1992, e Maluf alegava ter entregado as obras.
Esse episódio faz parte da série especial do Estadão de curiosidades sobre as eleições de São Paulo. Ao longo desta semana, serão publicadas reportagens sobre momentos que marcaram as disputas para a Prefeitura desde o primeiro pleito realizado após o fim da ditadura militar, em 1985.
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Primeiro turno acirrado
Marta foi a escolha de 2.105.013 paulistanos naquele primeiro turno, o que representou 34,40% dos votos válidos, rendendo-lhe a liderança da eleição e o favoritismo no segundo turno. Já Maluf havia levado a melhor em uma disputa parelha contra Geraldo Alckmin (PSDB), então vice-governador de São Paulo (hoje, vice-presidente e ministro de Estado).
O ex-prefeito foi escolhido por 960.581 eleitores, superando em menos de 8 mil votos a chapa de Alckmin com o deputado estadual Campos Machado (PTB). Em termos porcentuais, Maluf teve 17,40% dos votos e Alckmin, 17,26%.
Gestão Maluf e escolha de Pitta
Ao candidato do PPB, a preparação para o debate era permeada por um clima de “tudo ou nada”. Em um levantamento do Datafolha divulgado em 11 de outubro de 2000, na semana anterior ao debate, a petista tinha 69% dos votos válidos, contra 31% de Maluf.
Durante o debate, após o incidente com o “cala a boca”, Maluf insistiu em chamar a adversária com o apelido “Dona Marta do PT”, reforçando o partido da candidata e o apoio de figuras como Luiz Inácio Lula da Silva.
Naquela época, o petista, que viria a ser eleito presidente em 2002, não contava com o apoio da maioria do eleitorado paulistano. Dois anos antes, na eleição presidencial de 1998, Lula angariou 1.390.559 votos na capital, 27,71% dos votos válidos. Enquanto isso, seu principal adversário, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), obteve o apoio de 3.099.779 paulistanos, 61,78% do eleitorado.
O Maluf “azarão” na eleição de 2000 era o mesmo que, oito anos antes, no pleito de 1992, venceu o então senador Eduardo Suplicy (PT), então cônjuge de Marta, e fez um mandato com índices elevados de aprovação. O ponto de inflexão na popularidade do ex-prefeito pode ser explicado com a escolha feita para a sua sucessão no comando da cidade.
À época, não havia reeleição para cargos do Executivo. Por isso, em 1996, não cabia a Maluf tentar a recondução, restando indicar um sucessor da gestão. O escolhido foi Celso Pitta, seu secretário de Finanças.
‘Nunca mais votem em mim’
Para fazer valer o aval dado a Pitta, a quem definia como “braço direito”, Maluf figurou em uma propaganda eleitoral colocando todas as fichas em seu indicado.
“É um homem sério, preparado e trabalhador. Nele, eu confio, e por ele eu garanto. Veja bem, garanto tanto que peço a vocês: votem no Pitta e, se ele não for um grande prefeito, nunca mais votem em mim”, disse o prefeito, complementando que, dali a dois anos, pretendia ser candidato a presidente ou a governador. “E aí, então, vou precisar muito do seu voto e do seu apoio.”
Representando a gestão Maluf, Pitta quase venceu o pleito de 1996 no primeiro turno, com 48,24% dos votos válidos. No segundo turno, houve uma “revanche” do malufismo contra Luiza Erundina (PT). Em 1988, a petista superou Maluf no turno único do pleito; oito anos depois, o pupilo do prefeito levaria a melhor contra a candidata do PT, por 62,28% dos votos válidos.
Se o aval do padrinho político pesou a favor de Pitta durante a eleição, o legado malufista ruiria ao longo da gestão do ex-secretário, que não contou com a mesma aprovação do antecessor. Maluf perceberia ter apostado alto com a garantia de “nunca mais ser votado” já na eleição seguinte, em 1998, quando se candidatou ao governo do Estado.
Foi derrotado no segundo turno contra Mário Covas (PSDB), com o gosto amargo de ter assistido a uma virada nos índices de intenção de voto e de ter sido derrotado na capital paulista.
Pitta fez um mandato repleto de controvérsias, como o “escândalo dos precatórios” e a “máfia dos fiscais”, que desembocaram em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara Municipal. Como resultado, não só derretia nos índices de aprovação da gestão como rompeu com o próprio padrinho político, deixando o PPB de Paulo Maluf em março de 1999, rumo ao PTN (atual Podemos). Em maio de 2000, a poucos meses da eleição municipal, chegou a ser afastado da Prefeitura por determinação do Tribunal de Justiça estadual (TJ-SP), retomando o posto após 18 dias.
O caldo de rejeição a quem havia sido seu indicado pesou contra Maluf em 2000. No segundo turno contra Marta Suplicy, a candidata do PT obteve 3.247.900 votos, 58,51% do eleitorado, e conquistou a Prefeitura. Maluf registrou 2.303.623 votos, 41,49% do total, e nunca mais viria a ser eleito para um cargo do Executivo.
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